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Violência em serviços de saúde cresce quase 28% em JF

violência saúde - crédito Sinserpu
violência saúde - crédito Sinserpu
Nervosa por demora no atendimento da filha, mulher quebrou vidraças de UBS com guarda-chuva (Foto: Divulgação/Sinserpu)
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“Trabalho em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), em área considerada de risco social, onde alguns usuários diariamente nos ameaçam, desacatam e xingam. Certa feita, fui agredida fisicamente por um paciente por motivo completamente banal: falta de paciência para aguardar sua hora de atendimento, devido à alta demanda. Chamei a polícia, que me desaconselhou a fazer o boletim de ocorrência, alegando que eu ‘não seria a primeira, nem a última a passar por isso”. O depoimento desta médica de Juiz de Fora, que preferiu ter sua identidade preservada, ilustra bem a realidade das estatísticas: A violência nos serviços de saúde cresceu quase 28% no município este ano. Foram 359 ocorrências registradas entre janeiro e setembro, contra 281 no mesmo período de 2023. Os dados são do Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais.

No topo da lista de 2024 estão os furtos, com 76 casos, seguidos por “outras infrações contra a pessoa”, com 57 registros, e por ameaças, com 52. Vias de fato/agressão, danos e lesões corporais também aparecem entre os crimes mais comuns, com 18, 20 e 11 anotações, respectivamente. Um dos casos aconteceu em 14 de março deste ano, quando a UBS da Vila Esperança, Zona Norte, foi depredada por uma mulher, 27, que usou um guarda-chuva para quebrar vidros de janelas e portas da unidade. Segundo o boletim de ocorrência, a usuária ficou nervosa com a demora no atendimento de sua filha, entrou gritando no consultório da médica, que chegou a se trancar no banheiro para se proteger, e também teria agredido verbalmente uma enfermeira. A autora acabou detida pela PM e conduzida à delegacia.

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Embora nem todos os delitos tenham como vítimas os profissionais de saúde, a segurança dos servidores nesses locais é o que mais preocupa o Sindicato dos Servidores Públicos de Juiz de Fora (Sinserpu/JF). “Desde o início do nosso mandato (2024-2028), nos deparamos com a situação das agressões nas UBSs, com a expansão do horário, desde fevereiro. Já havia relatos de violência antes disso, mas essa foi potencializada quando começaram esse projeto”, aponta Anderson Luís Gonçalves (Andinho), diretor de Saúde do Sinserpu.

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Apesar da constatação, ele pondera que a ampliação do horário não foi ruim – a maioria das UBSs passou a funcionar de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h, sem interrupção para o almoço, e aos sábados das 7h às 12h – , pois a ideia era desafogar os serviços de urgência de HPS, Regional Leste e Pronto Atendimento Infantil (PAI). No entanto, segundo Andinho, parte da população tem entendido que as UBSs estão atuando como Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ou até mesmo como pronto socorro. “Mas continuam sendo unidades básicas e não têm suporte avançado para atender pacientes que chegam com quadro mais grave.” A desinformação, aliada ao déficit de servidores denunciado pelo sindicato, causa insatisfação nos usuários, muitas vezes externada de forma violenta. “As equipes médica e de enfermagem ficam sobrecarregadas. Enfermeiros estão indo para a recepção, fazer atendimento de balcão, porque falta recepcionista. Os técnicos de enfermagem, que deveriam estar na sala de vacina, têm que ir para a farmácia dispensar os medicamentos que não são controlados”, exemplifica. Isso tudo, de acordo com ele, tem feito o atendimento demorar e a unidade ficar cheia, exaltando os ânimos.

Questionada sobre a violência nesses serviços, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) garantiu que “a Guarda Municipal realiza rotineiramente o patrulhamento preventivo em todos os equipamentos de saúde do município”.

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Médica agredida teve estresse pós-traumático

A médica que relatou ter sido agredida fisicamente por um paciente durante o trabalho em uma UBS de Juiz de Fora revela que sofreu transtorno após o episódio violento. “Além do trauma físico, eu e alguns outros profissionais da UBS iniciamos estresse pós-traumático. No meu caso, sempre que ouvia algum barulho mais alto ou algum grito, tinha crises intensas de ansiedade.”

A profissional acrescenta não ter tido o apoio que esperava do Poder Público. “A Prefeitura, além de não dar nenhum apoio à equipe, exigiu que a unidade continuasse aberta e funcionando – mesmo com todos os funcionários receosos, traumatizados e emocionalmente desestabilizados -, alegando que isso ‘acontece mesmo’. Em qual mundo as agressões físicas são normais? “, questiona a médica. Segundo ela, o medo e a insegurança reduziram um pouco quando “uma pessoa influente e respeitada na região” onde ela trabalha afirmou que não sofreriam novas agressões.

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A vítima lamenta como a violência nos serviços de saúde ainda é vista. “Sempre lemos notícias de agressões a médicos e profissionais da saúde e, nas mesmas, muitos comentários dizem que foi merecido. Aonde vamos chegar dessa forma? Se o nosso próprio empregador não se posiciona em nossa defesa, não acolhe e não nos apoia, o que esperar da população de uma maneira geral?” Mesmo assim, a profissional segue sua missão. “Eu, como a maioria dos médicos, sempre tive como objetivo fazer a diferença na vida dos meus pacientes. Acredito que o SUS é uma grande conquista da população brasileira, mas, infelizmente, não é perfeito, e, muitas vezes, é gerenciado sem levar em consideração todos os elementos envolvidos no processo e os trabalhadores do sistema.”

Violência na saúde também aumenta na 4ª Risp

A 4ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp), que engloba outros 86 municípios do entorno de Juiz de Fora, também registrou aumento de violência nos serviços de saúde: foram 627 ocorrências de janeiro a setembro deste ano, contra 510 nos mesmos meses de 2023, resultando em acréscimo de 22,94%. Os furtos em 2024 somam 145 casos, enquanto as ameaças, 111. “Outras infrações contra a pessoa” está em terceiro lugar, com 67 registros. Vias de fato/agressão (37), danos (31) e lesões corporais (18) também têm números significativos. O crescimento da violência nos serviços de saúde em Juiz de Fora e na 4ª Risp foram bem superiores ao de Minas Gerais, que passou de 8.453 ocorrências, de janeiro a setembro de 2023, para 8.620 neste ano, 1,98% a mais.

Em relação aos tipos de ação sofridas por servidores da saúde, o Sinserpu destaca desde a verbal até a física. “Já houve diversas ocorrências de agressão verbal e de vias de fato. Há cerca de um mês, tivemos uma situação na UBS de Santa Luzia: Um paciente, em processo de finitude, chegou acompanhado por populares. Quando foram prestar os primeiros socorros, viram que ele deveria ser levado para a UPA. Um rapaz, que não tinha qualquer vínculo familiar com ele, se exaltou e começou a gritar. Um médico escutou os gritos e foi até a recepção. O rapaz o pegou pela camisa, falando que se aquele homem morresse, ele iria matá-lo. O médico, preocupado em salvar aquela vida, colocou o paciente na maca e o levou para estabilizá-lo e encaminhá-lo a um serviço de urgência. Depois, chegaram familiares falando que iriam quebrar tudo.” Segundo ele, vários profissionais ficaram sofrendo ameaças até a PM e a Guarda Municipal comparecerem para dar voz de prisão ao suspeito. Ele acabou liberado, após os trâmites na delegacia.

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Pelo menos outros dois casos foram publicados pela Tribuna neste ano. Em fevereiro, uma enfermeira, 44, foi ameaçada por uma paciente, 45, na UBS da Vila Ideal, Zona Sudeste. Ela teria afrontado servidores e jogado objetos no chão, enquanto exigia atendimento. Segundo a PJF, a usuária causou danos, quebrando um banco, uma impressora e amassando uma janela. A unidade precisou ser fechada naquela tarde para a realização da perícia. Já em agosto, três servidoras foram agredidas na UBS do Linhares, Zona Leste. Uma delas chegou a levar um soco de usuária, que desejava uma receita médica e foi orientada a procurar o Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF).

O sindicalista detalha outra situação de violência neste ano, na UBS do Vale Verde, Zona Sul. “Um rapaz foi pela manhã procurar atendimento, mas o médico atenderia na parte da tarde, e ele foi orientado a voltar. Ele retornou, acompanhado da esposa gestante, e disse que se não fosse atendido iria quebrar tudo. Em determinado momento, ele entrou em um consultório, se trancou junto com uma médica e falou que, se ela não o atendesse, ninguém sairia dali. Foi uma situação muito difícil, porque ninguém havia percebido.” Segundo ele, servidores decidiram bater à porta, porque a profissional estava demorando a chamar os pacientes, e a encontraram com medo, sofrendo fortes ameaças. A Guarda e a polícia não teriam comparecido de imediato, e a Secretaria de Saúde foi comunicada. “Receberam ordem para fechar a unidade. Isso era por volta das 16h. Mas o rapaz estava do lado de fora, ameaçando que iria chegar a vias de fato. Nisso, passou uma viatura, por sorte das pessoas que estavam lá dentro gritando socorro, mas o rapaz fugiu. Foi uma situação de muito medo, e a médica chegou a ficar afastada por algum tempo.”

Na visão do diretor de Saúde do Sinserpu, o efetivo da Guarda Municipal não tem sido suficiente para garantir a segurança nas unidades de saúde. “Os usuários alegam morosidade no atendimento. Na verdade, não temos servidores suficientes para oferecer o serviço. É necessário, urgentemente, que o Município faça concurso para essas áreas, tanto para técnico de enfermagem, enfermeiro, técnico de laboratório, quanto para recepcionista e porteiro. Precisamos colocar nesses aparelhos tão importantes para o Município pessoas capacitadas e que criem vínculos com a comunidade”, reforça. “Tememos que esses casos possam chegar a vias de fato, e de um dos servidores vir até a perder a vida (…). A Prefeitura deve divulgar como é o serviço, para que o usuário entenda que UBS não tem suporte avançado para atender situações de urgência e emergência. Isso está gerando uma insegurança muito grande e nos preocupa.”

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