Nos últimos anos, o movimento de denúncias de casos de assédio tem ganhado cada vez mais força – e nas universidades brasileiras o cenário não é diferente. Mas isso só é possível a partir da divulgação de informações sobre os percursos que envolvem uma denúncia. Pensando em colaborar para que o tema tenha um alcance maior e com o objetivo de promover orientação e acolhimento a vítimas de assédio, professoras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) se uniram e criaram, em 2023, o projeto de extensão “Fala Aberta”, na intenção de “fazer barulho” e chamar atenção para o assunto dentro da instituição.
A ideia de criar o projeto surgiu em 2022 quando alunos do Centro Acadêmico do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF se mobilizaram, pedindo para que os estudantes se manifestassem, de forma anônima, sobre situações de assédio que poderiam estar acontecendo na instituição. As professoras Mônica Olender e Yara Neves perceberam que faltava acolhimento e escuta às pessoas que estavam passando por essa situação e decidiram criar um grupo para apresentar caminhos, seja em relação a dar prosseguimento à denúncia ou procurar grupos de saúde mental. O “Fala Aberta” não recebe denúncias, na verdade o grupo atua como um espaço para divulgar informações.
“Nós não temos uma equipe preparada para receber denúncias. Essa é uma preocupação muito grande que temos até em relação à ouvidoria especializada, que é ter pessoas preparadas para escutar e acolher de maneira adequada quem é vítima de assédio, quem tem uma denúncia para fazer, porque essa pessoa é submetida a situações de repetição da história muitas vezes e é desacreditada o tempo todo, seja por outras pessoas ou até por ela mesma”, diz Mônica, que é coordenadora do Fala Aberta.
Hoje, o grupo conta com onze integrantes, incluindo professores, estudantes e voluntários externos. Além das duas coordenadoras, as professoras Carolina Bezerra e Juliana Perucchi, que estudam o tema há anos, também são colaboradoras do Fala Aberta. O projeto desenvolve atividades como oficinas em diferentes unidades da universidade, roda de conversa e conteúdos nas redes sociais com o intuito de esclarecer o que é assédio, como identificar formas de violência e quais procedimentos tomar.
“A nossa intenção é ter a pauta sempre em voga, deixar o assunto circular, disseminar informações. No começo das oficinas sempre perguntamos quem já sofreu assédio e se sente confortável para levantar a mão e, muitas vezes, no final do curso, as pessoas falam que não levantaram a mão porque não sabiam identificar o que era assédio”, comenta Yara, vice-coordenadora do projeto.
Falta de informação e de preparo são os principais obstáculos
Os casos de assédio dentro das instituições de ensino são um problema que atinge todo o país. Para se ter uma ideia, nos últimos dez anos, 279 denúncias de assédio sexual de professores contra estudantes foram registradas nas universidades federais do país, de acordo com levantamento realizado pelo jornal CNN. Deste total, cerca de 20% resultaram em punições aos docentes, sendo 17 demissões e 39 punições mais brandas, como suspensão, afastamento, advertência e remanejamento de setor. Neste mesmo período, mais de cem casos foram arquivados.
“Não podemos deixar de reconhecer o que já tem sido feito. Há uma forte intenção para que esses casos diminuam na UFJF e para que haja um encaminhamento adequado para as questões que envolvam violência, entre elas o assédio. Mas, mesmo existindo essas ferramentas, é preciso ter uma atenção muito cuidadosa. Não adianta só, por exemplo, existir uma ouvidoria especializada, precisa ter uma equipe preparada com tempo para receber as pessoas, acolher, apurar e dar velocidade ao processo, para evitar o sofrimento das vítimas, que já tiveram a coragem de formalizar a denúncia”, explica Mônica.
Uma das principais preocupações das coordenadoras do Fala Aberta é em relação à falta de informação, o que contribui para que muitas pessoas tenham medo de denunciar com receio do que possa acontecer. Além disso, o pouco esclarecimento em relação ao que tem sido feito colabora para isso, já que poucas pessoas ficam sabendo que as denúncias estão sendo recebidas, julgadas e pessoas estão sendo punidas. “Não dá para desconsiderar que o medo existe, mas ele não pode ficar a mercê da desinformação, precisamos acreditar mais nos processos coletivos, que não estamos sozinhos”, diz Mônica.
A professora também ressalta a importância de ações de capacitação para funcionários em diferentes níveis, seja no âmbito administrativo, na docência ou até mesmo na própria ouvidoria para saber como lidar com essas situações e ter noção sobre como proceder caso um aluno chegue até o trabalhador com uma denúncia. “É fundamental que todos no âmbito da academia entendam o seu papel e sua responsabilidade e que a instituição se responsabilize pela formação desses profissionais, com segurança e preparo para que esses cargos sejam ocupados. Temos que lutar para que isso melhore.”
UFJF afirma investir em ações de prevenção e combate ao assédio
Em resposta à Tribuna, a UFJF afirmou que são feitas ações de prevenção e enfrentamento aos assédios e outras violências ocorridas no campus. A Universidade também informou que oferece serviços de atendimento e acolhimento às vítimas. A reportagem também solicitou dados sobre denúncias recebidas na UFJF desde 2014 e o resultado dos casos, seja em relação a punições/demissões ou aos que foram considerados improcedentes, mas não obteve retorno.
Saiba como denunciar
A assessoria de comunicação da instituição reforçou que, para denunciar casos de assédio, é necessário recorrer à Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas ou ao Fala.BR – Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação. A partir desse registro, os casos são investigados pela universidade. A Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas funciona, atualmente, no prédio da Reitoria e atende pelo (32) 2102-3380 ou pelo e-mail ouvidoriaespecializada.diaaf@ufjf.br.
Confira a nota na íntegra:
A UFJF tem enfrentado o assédio com a seriedade e cautela necessárias diante da complexidade e da importância requeridas pela temática, partindo do entendimento de promover estratégias transversais entre diferentes setores.
Um exemplo é a criação da Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas em 2016. Desde então, a Ouvidoria Especializada tem se consolidado como espaço legítimo para o combate a quaisquer tipos de violência, atendendo um dos principais anseios da comunidade acadêmica, e, também, para a utilização de mecanismos de gestão para o autoconhecimento institucional e a consequente implantação de ações.
Têm sido realizadas campanhas institucionais por meio dos canais oficiais de comunicação; incentivo e apoio à projetos de extensão e capacitação; aperfeiçoamento dos instrumentos normativos, que norteiam as tratativas a serem dadas diante das denúncias; e também a instituição de um grupo de trabalho (GT) de enfrentamento ao assédio moral e sexual da UFJF. O GT trabalhou na proposição de uma minuta, que será apreciada pelo CONSU na próxima reunião. A minuta dispõe sobre diretrizes e ações da política de prevenção e enfrentamento aos assédios e outras violências, no âmbito da UFJF
Outra ação concreta da UFJF são as obras, que estão em curso, de construção de um novo espaço físico para abrigar a Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas. A proposta deste novo espaço é melhorar a acessibilidade e o acolhimento, garantindo maior conforto, sigilo e confidencialidade aos usuários.
Para denunciar casos de assédio é necessário recorrer à Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas ou ao Fala.BR – Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação. É a partir desse registro que os casos são investigados pela instituição. A Ouvidoria Especializada em Ações Afirmativas funciona, atualmente, no prédio da Reitoria e atende pelo (32) 2102-3380 ou pelo e-mail ouvidoriaespecializada.diaaf@ufjf.br.
A UFJF oferta ainda serviços de atendimento e acolhimento das vítimas por meio da COSSBE/SIASS e da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil.