O Juizado Especial Cível, da Comarca de Juiz de Fora, não tem conseguido cumprir o seu papel de dar agilidade e desburocratizar processos. Popularmente conhecido como Juizado das Pequenas Causas, o serviço é regulamentado pela Lei federal 9.099/1995. O texto prevê, entre outras características, a gratuidade dos processos e o prazo de 15 dias para a primeira sessão conciliatória, com mais dez em caso de recurso. No entanto, juiz-foranos têm aguardado por períodos superiores a isso. Eles também reclamam da pouca efetividade das audiências, muitas delas feitas por estagiários de direito. Advogados ouvidos pela reportagem, e que pediram anonimato, informam que todo o trâmite no Juizado Especial Cível tem levado oito meses, em média. Dependendo do caso, a orientação dada é buscar diretamente a Justiça Comum. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reconhece os problemas, embora entenda a morosidade como um “represamento pontual”, causado por um dos três juizados em atividade.
Uma nutricionista, 57 anos, que pediu para não ser identificada, impetrou ação contra uma empresa de TV por assinatura em dezembro de 2013 e ainda não teve o seu caso solucionado. “Tive sorte de uma desistência e marcaram a conciliação para fevereiro de 2014. Não aceitei o acordo da parte e tive 15 dias para apresentar minha réplica, o que fiz em 27 de fevereiro, um dia antes do prazo estabelecido. Desde então, meu processo está concluso para despacho, aguardando a decisão do juiz. É praticamente um ano e oito meses de espera”, lamentou. Segundo ela, tudo começou em meados de 2013, quando a empresa ofereceu um adicional em seu pacote de serviços que não foi cumprido como acordado. Mesmo ela não aceitando a instalação adicional, a empresa debitou, em seu cartão de crédito, os valores referentes ao novo plano. Atualmente, além dos cerca de R$ 1 mil cobrados indevidamente, ela pede indenização por dano moral, o que totaliza R$ 13.560.
Ainda conforme a nutricionista, as conciliações são pouco efetivas. “O estagiário não conhece o processo. Ele fica sentado e só acompanha, dando voz às partes. Não houve nenhum tipo de orientação na tentativa de se chegar a um acordo. A empresa enviou um representante com uma proposta pronta, e ele não estava aberto ao diálogo. Apenas fez a leitura, oferecendo pagar um valor inferior ao devido.”
Retaliações
Em outro caso identificado pela Tribuna, dois moradores do Bairro Santos Dumont, Cidade Alta, estavam prestes a se mudar por causa de retaliações que afirmam estar sofrendo pelos motoristas de ônibus da empresa que atende o bairro. “Tudo começou em maio, quando minha esposa, com o filho pequeno no colo, caiu dentro do coletivo por causa de uma freada brusca do motorista. Reclamamos na empresa e, desde então, nós e nossos familiares sofremos retaliações. Os motoristas saem arrancando o carro, fecham a porta na nossa frente, não param no ponto. Estamos sendo muito hostilizados. Não pedimos nenhum valor neste processo, apenas que isso seja resolvido”, disse ele, 27 anos. Além da ação do Juizado Especial, o casal também registrou dois boletins de ocorrência, em abril e julho, aos quais a Tribuna teve acesso. O processo foi registrado em maio, e a primeira audiência de conciliação ocorreu em setembro. No entanto, não houve acordo porque o motorista não teria sido encontrado para receber a intimação. “Agora só ano que vem. Estamos com medo de acontecer algo pior, e por isso vamos nos mudar, mesmo sem ter condições financeiras para isso.”
OAB
De acordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Juiz de Fora, Denilson Clozato, a entidade vê com preocupação a morosidade dos Juizados Especiais Cível da comarca do município. “O Tribunal não faz contratação de funcionários, de magistrados e não dá os apoios necessários para melhorar a estrutura. É impossível três juízes darem conta de quase 15 mil processos. Vemos com muita tristeza o fato de a máquina judicionária estar emperrada. Não por falta de força de vontade, mas por ausência de estrutura.”
Para TJ, dificuldade é pontual
Dados obtidos através do portal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) mostram que, até junho, os Juizados Especiais da Comarca de Juiz de Fora tinham 18.407 feitos ativos. Deste total, 13.226 (o que corresponde a 71%) referem-se aos Juizados Especiais Cíveis. Entre janeiro e junho, foram 3.101 julgamentos realizados, de um total de 3.115 feitos distribuídos. Mas um dos juizados aparenta estar mais moroso que os demais. Foram 582 julgados, de um total de 1.033 feitos distribuídos neste período (ver quadro).
Conforme o juiz auxiliar da corregedoria do TJMG, Francisco Ricardo Sales Costa, o problema no município é pontual. “Eram quatro juízes e, em novembro de 2013, uma das titulares aposentou-se. Um dos três magistrados ficou com sua demanda, mas teve dificuldades em equacioná-la. Atento a isso, em novembro de 2014, fizemos um mutirão na cidade, quando proferimos 788 sentenças, e continuamos a acompanhar a evolução deste quadro, que é preocupante.”
Sobre os mais de 13 mil feitos ativos, ele afirma ser um número representativo, embora alguns processos estejam emperrados por outras questões. “Às vezes, pode não ser cumprida por várias razões, como a inexistência de patrimônio do devedor”, explicou. O corregedor afirma que, 15 dias, como a lei prevê para a primeira audiência, é um prazo impossível de ser cumprido e, atento a isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece o prazo de cem dias. No caso da segunda audiência, que deveria ocorrer em até dez dias, a situação se repete. “Infelizmente não há como cumprir e, por isso, estimamos mais cem dias, em média. Isso significa que um processo deveria ser concluído em cerca de seis meses.”
Juiz leigo
Questionado sobre o que poderia ser feito para melhorar a situação local, Francisco Ricardo informou que está em andamento um edital que visa à contratação de um juiz leigo para o município. Cabe a este profissional, advogado com experiência comprovada, realizar audiências de conciliação, instrução e julgamento. Também pode apresentar projeto de sentença a ser submetida ao titular para que a homologação seja feita. “O número de magistrados dos Juizados Especiais da cidade é suficiente e, caso fosse alocado mais, logo ele teria capacidade de trabalho ociosa. Tem também a questão financeira, pois, com a carência orçamentária do Estado, fica difícil para o Tribunal contratar um juiz. Por isso pensamos no juiz leigo, que deverá estar trabalhando na cidade no início do próximo ano.”
Conciliadores
O corregedor também foi perguntado da capacitação dos conciliadores, formados, em sua maioria, por estagiários estudantes de direito. Segundo ele, também por dificuldades orçamentárias, não é possível colocar quantidade suficiente de conciliadores em todo o estado, e, por isso, o trabalho voluntário é utilizado. “Os conciliadores passam por cursos periódicos de capacitação, quando aprendem técnicas de mediação. Eles estudam aqui, com capacitadores formados em Brasília, no CNJ, para replicar em suas comarcas. Há um investimento neste sentido.”
‘Falta vontade política e capacidade orçamentária’
Presidente do Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje), o juiz Gustavo Diefenthäler, da Comarca de Porto Alegre (RS), afirma que, se traçar um perfil dos juizados em todo o país, a realidade encontrada será a carência de espaços físicos e recursos humanos. Ele, que pondera não conhecer a realidade da Comarca de Juiz de Fora, afirma que, apesar das dificuldades, os juizados têm aprovação de 70% do seu público, o que demonstra a necessidade de investimento. “Falta vontade política e capacidade orçamentária. Faltam juízes leigos e auxiliares para dar mais agilidade aos processos. Para título de comparação, em Porto Alegre, os processos dos Juizados Especiais percorrem aproximadamente 30 dias entre o ajuizamento e a primeira audiência. Não havendo acordo, é dado o prazo de cerca de uma semana para a segunda. Contando desde o início, a sentença é publicada em torno de 60 dias. Conseguimos isso porque cada juizado tem em torno de 15 juízes leigos.” Diefenthäler também fala da necessidade de desburocratizar todo o processo. Isso porque, segundo ele, no caso dos Juizados Especiais, não se deve perder tempo com sentenças quilométricas, visto que as decisões devem ser simplificadas.
Sobre a situação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ele disse estar ciente de que há investimentos nas contratações dos juízes leigos e também na promoção de mutirões. “Com ações como estas, conseguimos significativos incrementos de produtividade e redução nos trâmites processuais.”