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Trabalho de cuidado feito por mulheres representa 8,5% do PIB brasileiro

cuidado com crianças
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Acordar, arrumar o café da manhã, preparar a filha para a escola, ir trabalhar, auxiliar a mãe nos cuidados com o pai, almoçar com a filha e trabalhar até tarde. Essa é a rotina de uma empresária de Juiz de Fora, que preferiu não ser identificada, mas poderia ser a de várias outras mulheres. De acordo com a organização global contra as desigualdades Oxfam, as mulheres são responsáveis por 75% das tarefas não remuneradas do mundo, o que equivale a 12,5 bilhões de horas todos os dias. No Brasil, a parcela desse trabalho feita apenas por elas representa 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Apesar dos números expressivos, o trabalho de cuidado continua sendo invisível. Nas últimas semanas, o termo movimentou as redes sociais após ser tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023 e levantou muitas dúvidas em relação ao seu significado.

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Ana, como vamos chamar a empresária, é sócia de duas empresas e precisa conciliar o trabalho com as tarefas da família. Hoje, aos 42 anos, ela cria a filha de 11 anos e ajuda sua mãe, 63, a dar o suporte necessário ao pai, 69, que teve um AVC 12 anos atrás, é cadeirante e portador de afasia, doença que prejudica a comunicação. “Não sei nem como te explicar, porque não existe muito uma rotina na minha vida. Eu tento ir acomodando uma coisa na outra. Muitas vezes, na parte da tarde, tento passar um tempo com meu pai e com a minha filha, e quando chego em casa, por volta das 19h, começo a trabalhar e vou até meia-noite.”

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A economia de cuidado se refere ao tempo dedicado ao cuidado com a casa e com as pessoas. Para a jornalista e pesquisadora de desigualdades de gênero Flávia Lopes, a dificuldade das pessoas enxergarem o trabalho de cuidado realmente como um trabalho reflete no desconhecimento do tema. Por muitos anos, todas essas atividades foram tratadas como exclusiva responsabilidade das mulheres. “Um papel naturalizado como ‘instintivo’ e realizado ‘em nome do amor’, do ‘dever materno’, do ‘papel de esposa’, da ‘função de filha’, entre tantos outros, atribuídos sempre à mulher”, aponta a especialista. Diferente da realidade de muitas mulheres, Ana ressalta que conta com o apoio do marido na criação da filha nas tarefas da casa. “Mas é claro que eu, como mãe, como filha, como esposa, como empresária tenho uma sobrecarga muito maior.”

FLÁVIA LOPES é jornalista e pesquisadora de desigualdades de gênero na UFJF (Foto: Arquivo pessoal)

‘Heroína’

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Para Ana, as mulheres tendem a acreditar que é dever delas exercer essas funções e, por isso, trazem essa responsabilidade sem cobrar nada em troca ou ao menos mostrar todo o trabalho que estão tendo. Desde a infância, ela notava que sua mãe cuidava não só dela e de suas irmãs, mas também dos mais velhos da família. A menina acompanhava a mãe de um lado para o outro enquanto ela cuidava do seu avô, que teve câncer, e também da avó e da tia. “Meu pai trabalhava fora e minha mãe dentro de casa, sendo responsável por esse trabalho que é invisível. Eu sempre achei minha mãe uma heroína, mas reparei que para as amigas que trabalhavam fora e para a sociedade ela era vista como dona de casa, dondoca, quando, na verdade, ela sempre foi a pessoa que resolveu tudo não só na minha família, mas na das irmãs e tios.”

‘São elas que precisam abrir mão de seus trabalhos para se dedicar ao cuidado’

Ir ao mercado, preparar a comida, faxinar a casa, lavar as louças, passar as roupas, dar banho nas crianças, levar à escola, amamentar, colocar para dormir, acompanhar idosos em consultas, cuidar de doentes, acompanhar pessoas com deficiência e tantas outras tarefas que demandam tempo, dedicação e recursos, fazem parte do que chamamos de economia do cuidado. Embora haja descaso, esses serviços são essenciais para a nossa existência. “Quando se coloca essas horas na ponta do lápis, ou em grandes estudos, vemos que esse trabalho, além de essencial para a manutenção da sociedade, também movimenta a economia. Só o tempo dedicado à amamentação, por exemplo, durante o período mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que são seis meses, é de 650 horas”, afirma Flávia.

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A pesquisadora relembra que o tema havia ganhado destaque durante a pandemia, quando ficou nítido que o trabalho de cuidado era essencial para a manutenção da vida. Com o isolamento social, escolas e creches foram fechadas, e os serviços de trabalhadoras domésticas e cuidadoras também foram interrompidos. “Vimos nessa época o nível de empregabilidade de mulheres no mercado de trabalho despencar para o pior índice em 30 anos, o que mostra que foram elas as mais penalizadas. Ou seja, sem uma estrutura de cuidados, são elas que precisam abrir mão de seus trabalhos para se dedicar ao cuidado (de filhos, idosos, pessoas com deficiência, da casa).”

Vale ressaltar que a maioria das pessoas que exercem o trabalho de cuidado no Brasil são mulheres negras, profissionais domésticas e cuidadoras. Muitas vezes, essas mulheres precisam equilibrar as atividades de cuidado com o trabalho, e acabam em atividades informais, com menores salários e mais precarizados. “Dessa forma, a falta de creches, os baixos salários e a ausência de redes de proteção e de cuidado limitam suas possibilidades de maior participação no mercado de trabalho e contribuem para a chamada ‘feminização da pobreza’.”

 

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