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PJF e Governo federal têm impasse na gestão de recursos do Bolsa Família e do CadÚnico

Bolsa-Família

Foto: Fernando Priamo

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Mensalmente, os municípios recebem repasses do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) para gerir o Cadastro Único (CadÚnico) e o programa Bolsa Família baseados no indicador denominado Índice de Gestão Descentralizada (IGD). Os valores dos índices obtidos pelos municípios são diretamente relacionados aos resultados alcançados pelos municípios na gestão do Bolsa Família. Embora possa alcançar até R$ 125.682,70, Juiz de Fora recebeu, em maio último, apenas R$ 63.430,97. Enquanto o Ministério da Cidadania aponta a baixa execução dos recursos para justificar a quantia repassada a Juiz de Fora, a Prefeitura indica cautela ao empregar os valores, uma vez que o Governo federal tem atrasado os repasses desde fevereiro. Em Juiz de Fora, há 44.718 famílias inscritas no CadÚnico, totalizando 113.881 pessoas. Destas famílias, 13.917 são beneficiárias do Bolsa Família.

Em escala entre zero e um, os valores são calculados conforme o desempenho das cidades no acompanhamento da atualização cadastral do CadÚnico, e, também, da agenda de saúde e da frequência escolar dos usuários do Bolsa Família. Embora o IGD de Juiz de Fora seja classificado em 0.83, o último montante ao qual teve acesso o Município corresponde a, aproximadamente, 50,47% do máximo a ser recebido. Ainda que a série histórica do índice em Juiz de Fora demonstre evolução desde outubro de 2016, o Município ainda está longe de alcançar o teto, pois enfrenta oscilações. A maior avaliação ocorrera em setembro de 2013, quando o índice chegou a 0.91; à época, o Governo federal repassou a Juiz de Fora R$ 79.947,89, valor também distante do teto de R$ 125.682,70. Os repasses podem ser utilizados, por exemplo, para capacitar servidores em busca de organizar políticas públicas a partir da base de dados do CadÚnico e, ainda, para buscar grupos como ciganos, comunidades de terreiro e catadores de material reciclável.

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Conforme o Ministério da Cidadania, o repasse de recursos é limitado de acordo com o montante financeiro mantido em conta corrente pelos municípios – a acumulação de recursos foi restringida pela Portaria nº 517/2017. Juiz de Fora tem, atualmente, R$ 389.406,27 poupados. No relatório de Informações Sociais, datado de 19 de abril, a pasta assinala que “a relação entre os recursos recebidos (por Juiz de Fora) e o saldo em conta corrente mostra que o município está com uma execução muito baixa dos recursos transferidos pelo IGD no último ano” – à época, havia, ainda, R$ 408.760,18 em conta corrente. Fatores como a atualização cadastral dos inscritos no CadÚnico, além do acompanhamento da frequência escolar e da agenda de saúde dos beneficiários do Bolsa Família pela Administração municipal são utilizados para calcular os repasses mensais.

Já o Município, entretanto, acusa o Governo federal de atrasar os repasses mensais desde fevereiro último. Anteriormente transferidos nos meses referentes, os recursos estão sendo apenas transferidos no mês subsequente, conforme a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) de Juiz de Fora. “Não recebemos a parcela de abril ainda”, informa o gerente do Departamento de Transferência de Renda da SDS, Alfredo Vicente Faria. “Estamos em junho, mas não recebemos a parcela de abril. A data da última ordem de pagamento é 16 de maio, mas referente à parcela de março.” Questionado pela Tribuna se, de fato, os repasses estão sendo atrasados, o Ministério da Cidadania não respondeu. “O último repasse do recurso do IGD para o Município de Juiz de Fora foi pago na data de maio deste ano no valor de R$ 63.430,97.”

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‘Tenho que resguardar as despesas’

“O valor (em conta corrente) já está sendo executado”, garante o gerente do Departamento de Transferência de Renda da SDS, Alfredo Vicente Faria. “Tenho que trabalhar da seguinte forma: pago os impostos, pago os salários de funcionários terceirizados, equipamentos, gasolina para as visitas domiciliares etc. Há uma previsão de despesas, então tenho que ter alguma coisa em reserva. O saldo já esteve mais alto. Hoje, a gente vem o abaixando para receber, exatamente, a totalidade (do IGD), mas tenho que resguardar as despesas que temos.” Alfredo citou ainda o atraso de repasses do Governo federal para manter parte das verbas no caixa. “Não posso ficar desguarnecido para honrar os compromissos. Vou executar o montante, mas tenho que ter certa reserva. Como faço com um eventual atraso de dois meses?”

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Alfredo Faria, da SDS, ressalta que precisa manter verbas no caixa para “honrar compromissos” (Foto: Gabriel Ferreira Borges)

Contudo, o acúmulo de recursos não é uma prática recente da Prefeitura de Juiz de Fora. Em dados da série histórica aos quais a Tribuna teve acesso, o Município mantém recursos em conta corrente ao menos desde 2015. Na ocasião, ao fim de dezembro, havia R$ 1.414.062,85 sem utilização alguma. Ao final de 2016, o valor era ainda de R$ 1.252.018,02. Já em 2017, R$ 969.485,83. Em 2018, por fim, R$ 576.330,55. Questionado, Alfredo reafirma a irregularidade do Governo federal em repassar os valores mensais. “O Governo federal repassava os valores do IGD em determinado mês, mas, depois, ficava dois, três meses sem transferi-los. Quando voltava a pagar, repassava duas, três (parcelas) de uma vez só. Isso acontecia muito.”

Até a instituição da portaria do então Ministério do Desenvolvimento Social, em 2017, a acumulação de recursos era “uma prática comum nos municípios”, conforme o gerente do Departamento de Transferência de Renda da SDS. “Fazia-se uma previsão de pagamento para 12 meses. A folha de pagamento e os encargos dos nossos 23 funcionários para 12 meses ficava na faixa de R$ 800 mil”, explica. “Isso acontecia em todos os municípios com um movimento maior (de beneficiários). Em 2017, percebemos que deveríamos gastar o dinheiro em benefício do próprio participante. Foi quando as situações de atendimento começaram a melhorar. (…) Mas, mesmo com a portaria, tenho que ter três meses de garantia para a folha de pagamento. Não posso ter um funcionário para pagar e esperar um dinheiro que pode chegar.”

Conselho de Assistência Social deve fiscalizar

Como as transferências são realizadas para o FMAS, o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) é responsável pela fiscalização da execução de verbas provenientes do IGD. Presidente do CMAS, Antônio Hugo Bento reforça a necessidade de buscar o motivo pelo qual os repasses estão atrasados, mas pondera que está há apenas dois meses à frente do conselho. “Precisamos analisar o porquê de o Governo federal não estar repassando. O Governo detectou que o dinheiro não está sendo utilizado e, portanto, entendeu que o Município está bem? É isso o que podemos cobrar. O dinheiro poderia ser executado, inclusive, em visitas de (equipes de) assistência social. O Governo dá o benefício às famílias, mas o Município deve fiscalizar.”

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Antônio Hugo Bento assumiu a presidência do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) há cerca de três meses. Conforme ele, membros do órgão estão se debruçando sobre os números do Município PBF (Foto: Leonardo Costa/Arquivo TM)

De acordo com Antônio, o atraso dos repasses mensais interfere diretamente no andamento das atividades do CMAS. “O Município pode (utilizar o dinheiro do IGD para) comprar equipamentos, custear a capacitação de conselheiros etc.., mas, dificilmente, Juiz de Fora investe na capacitação. Sempre há dificuldades. O Município tem que priorizar algumas coisas e, portanto, os conselhos são renegados.” No entendimento do presidente do CMAS, as próprias organizações de controle social são prejudicadas em razão dos “poucos recursos” transferidos pelo Governo federal aos municípios. “Por exemplo, sempre realizamos conferências de dois em dois anos. Neste ano, não vamos realizá-la em julho, somente em setembro, em razão de o Governo federal ter barrado a conferência nacional. Diante do imbróglio, ficamos lutando para organizar o controle social.”

Busca por novos usuários ameaçada

Como sugere o Ministério da Cidadania, os repasses mensais correspondentes ao IGD podem ser utilizados para o planejamento de ações de atendimento às famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico), ainda que os municípios tenham autonomia para decidir em quais áreas investir. Dentre as recomendações, estão, por exemplo, a capacitação de servidores para a utilização de base de dados para organizar políticas públicas, a busca ativa e o cadastramento de grupos populacionais tradicionais e específicos – como quilombolas, ciganos, comunidades de terreiro, indígenas, catadores de material reciclável, etc. -, aquisição ou locação de veículos para visitações domiciliares, divulgação e comunicação de campanhas de inclusão, revisão e atualização cadastral etc..

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Segundo o presidente do CMAS, Antônio Hugo Bento, o imbróglio financeiro entre o Governo federal e o Município prejudica desde o pagamento aos funcionários terceirizados à busca ativa por potenciais usuários do Bolsa Família. “Há um aumento da fome, da miserabilidade das pessoas. E Juiz de Fora não está fora disso. São muitas pessoas entrando em situação de vulnerabilidade social. E, infelizmente, isso vai afetar de forma negativa o atendimento a essas pessoas, porque o Governo (federal) atrasa e a Administração municipal não consegue trabalhar de acordo.”

Questionado sobre o possível prejuízo aos serviços prestados à população, Alfredo defende que os recursos estão sendo investidos. “Se, ao fim de 2015, tinha R$ 1,4 milhão, e, em dezembro de 2018, tinha R$ 576 mil, o dinheiro está sendo investido. E sempre investido para o beneficiário. Compramos equipamentos, pagamos ações de correspondência – hoje, envio mais de 5 mil cartas por mês, o que gera um custo de etiqueta, de impressão, de Correios etc.. -, pagamos aluguel de carros para visitar as famílias com assistentes sociais, combustível etc.” Ainda de acordo com Alfredo, em 2016, com os recursos do IGD, foi finalizada a construção, em um dos andares da sede da SDS, da atual estrutura de atendimento do CadÚnico e do Bolsa Família.

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