De 1º de janeiro a 1º de agosto de 2018 foram distribuídos na 2ª Vara Criminal 1.056 pedidos de medidas protetivas referentes à Lei Maria da Penha. Significa que, a cada dia, cinco solicitações desta natureza são feitas, todas elas em função da violência doméstica. Destas, metade tem as medidas aplicadas pelo juiz, como afastamento do agressor do lar, impossibilidade de chegar perto da vítima, impossibilidade de manter contato telefônico ou qualquer meio de comunicação. Os outros 50% consistem na desistência da vítima durante audiência de mediação em função do entendimento entre as partes. Segundo a oficial de apoio judicial e mediadora Senira Regina Rocha, mesmo quando a mulher abre mão da medida protetiva, o processo criminal continua não só quando há lesão corporal grave ou leve, mas pela prática de vias de fato contra alguém, conforme artigo 21 da Lei de Contravenção Penal, porque a ação é pública e incondicionada. Apesar do percentual de desistência, os números são considerados alarmantes. No entendimento dos especialistas, no entanto, eles não significam aumento de casos, mas, sim, das denúncias. Romper o silêncio tem sido fundamental para dar visibilidade a um tema considerado tabu, já que, culturalmente, os casos eram acobertados pela ideia equivocada de que em briga de marido e mulher ninguém deveria meter a colher. Hoje, no entanto, o entendimento é outro. Quando um homem violenta uma mulher psicologicamente, sexualmente e fisicamente, toda a sociedade precisa se mobilizar.
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Colocar fim a uma rotina de abusos imposta por maridos, companheiros ou familiares exige não só o enfrentamento do medo, mas a superação da vergonha de expor a própria dor. A auxiliar administrativa Izaura Yung, 36 anos, conseguiu. Ela se expôs para encorajar outras mulheres a denunciar e aprendeu a se reinventar após experimentar o pior momento de sua vida: uma tentativa de feminicídio praticada pelo ex-namorado em 2016. Em novembro daquele ano, o homem por quem ela se apaixonara mais de um ano antes do episódio usou uma arma para obrigá-la a ir a um motel com ele. Lá, ela foi estuprada, brutamente espancada e estrangulada pelo ex-companheiro que nunca aceitou o fim do relacionamento ocorrido meses antes.
Quando o agressor achou que Izaura estava morta, a colocou no banco de trás do carro que dirigia na tentativa de não deixar nenhuma prova de seu crime. A auxiliar administrativa, porém, retomou a consciência e fugiu do carro em movimento quando seu agressor se preparava para deixar o motel. No pátio do estabelecimento, ele recomeçou a sessão de espancamento, mas as camareiras do motel interviram, e o homem acabou fugindo. Muito ferida, Izaura sofreu traumatismo craniano, passou por uma cirurgia de reconstrução no nariz e teve os lábios deformados. Um ano, nove meses e seis dias depois de seu renascimento, porém, ela não lembra em nada aquela mulher que teve sua autoestima ferida de morte.
“Aquela mulher estava sem forças e autoestima, mas estava brigando pela vida, pelo direito de voltar a ser mulher, de se reconstruir. Hoje eu não sinto um por cento da culpa que eu carreguei durante muito tempo e acho que muitas vítimas carregam ao se questionarem: por que não denunciei antes? Descobri que é muito difícil julgar quem está do outro lado. No meu caso, por exemplo, eu não dependia financeiramente do agressor, não tive filhos com ele, não tinha mais sentimentos por ele, mas ele ameaçava minha filha, a minha família, os meus amigos. Hoje vejo que nenhuma mulher tem que se sentir culpada por uma coisa dessas. A culpa não é da vítima. Eu me sinto uma guerreira, sim”, revela Izaura que se tornou um símbolo da luta contra a violência doméstica em Juiz de Fora.
O ex-namorado dela está preso e, mesmo privado de liberdade, continuou a ameaçar Izaura. Apesar do medo que ainda a persegue, Izaura não quer se esconder da vida. Pelo contrário, quer aproveitar cada minuto de sua nova história para inspirar outras mulheres a não desistirem de sonhar. “Nunca vou esquecer o que houve na minha vida. Não tem um dia que eu não pense nisso, porque é como se tivesse um gatilho apontado para sua cabeça. Mas fugir não adianta. Hoje estou aqui vendo o crescimento da minha filha, refazendo a minha vida. Eu penso sempre que Deus tem um plano pra mim. Algo me diz que nunca mais esse homem vai encostar em mim. A justiça está fazendo o papel dela aqui, e eu confio na justiça lá de cima também.”
Parte da força de Izaura vem da filha, Yasmim, hoje com 16 anos. O trauma vivido por ambas as aproximou ainda mais e fez com que a adolescente admirasse a mãe. “A gente sempre teve uma ligação muito forte, e essa ligação foi se fortalecendo ainda mais ao longo do tempo. Nunca tive vergonha da minha mãe. Ela é uma guerreira, porque não é qualquer um que passaria por isso e aguentaria a barra, seguiria em frente e conseguiria acreditar no amor novamente. Eu também acredito que pode haver uma relação de amor e respeito entre um homem e uma mulher se os dois souberem lidar com isso”, diz Yasmim que se recupera de um tratamento contra a anorexia, uma das sequelas provocadas pela violência que atravessou a vida de mãe e filha. Izaura também tem marcas, mas nenhuma delas a fez sentir pena de si mesma. “Fiquei com uma nevralgia de face, o nariz não teve como ser completamente reconstruído, tenho minhas fobias, mas hoje eu me sinto linda por dentro e por fora.”
Audiência só é marcada para oito anos após o crime
O caminho percorrido por M., também auxiliar administrativa, 27 anos, é longo. Ela diz ter sido vítima de violência doméstica durante os sete anos em que dividiu o mesmo teto com o seu companheiro H., 37, pai de seu filho, atualmente com 8 anos. Logo que foram morar juntos, viu seu amor tornar seu pior inimigo e, ainda com medo, prefere não expor sua identidade. Apesar dos avanços da Lei Maria da Penha, a vítima não se sente protegida, principalmente pelo fato de que a audiência de instrução do processo referente ao brutal espancamento que sofreu em 27 de março de 2014 foi marcada somente para 18 de agosto de 2022, ou seja, daqui a quatro anos.
“Qual é o critério (para marcar as audiências)? Porque ele é reincidente com a mesma vítima, acusado de estupro de vulnerável, cárcere privado e lesão corporal. E, mesmo assim, a audiência é marcada para oito anos, quatro meses e 22 dias após o crime. Fico indignada”, desabafa. Em um depoimento comovente (ver quadro), M. relata em detalhes as humilhações sofridas em seu relacionamento. Os insultos viraram lágrimas e, quando ela menos podia esperar, sentiu na própria pele a dor de ser espancada. De joelhos, vinham os pedidos de desculpas. “Ele dizia que eu era linda, e o amor que sentia por mim era tão grande, que ficava louco de ciúmes me vendo rir e conversar com outras pessoas. No mesmo momento o repreendi, disse a ele que quem ama não bate e que não dava mais.”
No entanto, a violência psicológica gritou mais alto: “Ele dizia que nunca sairia de casa. Poderíamos viver bem e esquecer ou viveríamos um inferno. Queria que eu fosse só dele, deixou claro que, a partir do momento que fomos morar juntos, eu era propriedade dele e, mais uma vez, ameaçou a mim e a minha família de morte, caso o deixasse.”
O abuso sofrido pela vítima aconteceu após um dos espancamentos que a deixou inconsciente e, por isso, o ex-companheiro foi enquadrado por estupro de vulnerável. Conforme o artigo 217-A do Código Penal, o crime, normalmente aplicado nos casos envolvendo menores de 14 anos, também é previsto quando a vítima “não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. A pena pode chegar a 20 anos de reclusão. “No hospital, onde fui atendida, a ginecologista deixou claro que eu apresentava sinais de relações sexuais ocorridas horas antes de ela me examinar”, conta M.
Ainda debilitada, a vítima afirma que continuou sendo coagida durante a internação. “Mudei duas vezes de quarto, mas ele descobria e mandava flores, escapulários, lanches. Tudo por motoboy e sempre acompanhado de mensagens que diziam: Eu vou matar você. Vou colocar fogo na sua casa quando todos estiverem dormindo. Vou matar nosso filho, sua mãe, suas tias. Acho melhor você sair daí e voltar para mim.”
Em um misto de pavor e dependência emocional, M. cedeu mais uma vez e passou a viver um abuso diário, silencioso aos olhos dos outros. “Ele trocava o sal e o açúcar de potes para me confundir, derrubava arroz e pó de café no chão para eu varrer, tirava todas as minhas roupas do armário e jogava na cama para que eu tivesse que arrumar o guarda-roupa. Desligava a geladeira e deixava a porta aberta para que molhasse o chão da cozinha e eu fosse obrigada a limpar tudo antes de ir trabalhar cedo. Me obrigava a manter relações sexuais com ele. Quando acabava, eu tinha que dormir com o rosto colado na parede, sem encostar nele. Se por um descuido encostasse, ele me acordava com chutes, socos e pontapés.”
H. foi preso em flagrante no dia 20 de dezembro de 2015, após mais um espancamento, seguido de um pedido de socorro da vítima, que se sentiu encorajada para acionar a Polícia Militar. “Em abril de 2016 tivemos nossa audiência. Ele foi condenado a dois anos e 11 meses de prisão, por ameaça, injúria e violência doméstica. Cumpriu nove meses e 18 dias no regime fechado”, lembra a vítima. “Nessa mesma audiência, eu relatei toda vida de agressão que levei ao lado dele. Entreguei todos os laudos médicos de quando eu tinha ficado internada, o exame de corpo de delito, fotos, tudo que demonstrava minha dor. A promotora pediu para abrir um inquérito para investigar aquela agressão do dia 27 de março de 2014. Em julho de 2017, o Ministério Público o denunciou”, diz M. A defesa do acusado informou que o homem admite a prática das agressões, porém nega ter estuprado a mulher quando ela estava inconsciente após sessão de espancamento. Segundo o advogado, o laudo para o estupro de vulnerável foi inconclusivo. Apesar da alegação, o ex-companheiro de M. está sendo processado por múltiplos crimes, sendo o principal o estupro de vulnerável.
Indignação
Para M., ver seu agressor solto, com audiência para daqui a quatro anos, é como se ela vivesse em uma espécie de prisão. Apesar de ter medida protetiva estendida até o final do processo, ela não está confortável. “Vivo com medo. Não acho justo, depois de tudo o que eu passei, ele sair impune. Foram noites apanhando, dias de agonia, medo, depressão. Olha a quantidade de mulheres que estão sendo mortas pelos companheiros, agredidas, humilhadas. Ninguém merece passar por isso, ninguém. Pessoas de fora podem achar que a mulher que apanha do homem e continua com ele é sem vergonha. Porém, só quem passa pela situação sabe como é viver com uma agressão psicológica. Meu filho faz tratamento até hoje”, diz a mulher que já mudou o filho de escola e até de endereço, em função do problema.
Sobrecarga
De acordo com o juiz Edir Guerson de Medeiros, titular da 2ª Vara Criminal, responsável pelo julgamento de todos os casos de Maria da Penha na cidade, dos quatro mil processos distribuídos em 2017, a metade é referente a violência doméstica. A competência foi atribuída a todas as segundas varas criminais do Brasil pelo Conselho Nacional de Justiça. “Nas capitais, tem uma equipe formada só para os casos de Maria da Penha, com juizado especializado e toda estrutura. Em Juiz de Fora, que é a segunda cidade de Minas em movimento de processo, tudo foi despejado aqui. Enquanto as outras varas da Comarca tiveram duas mil distribuições de processo no ano passado, eu tive quatro mil distribuições. O que excedeu é de Maria da Penha”, afirma.
Segundo o magistrado, a sobrecarga de trabalho não foi acompanhada da ampliação do quadro de funcionários, que continua o mesmo da última década. O último censo, realizado há mais de dez anos, já apontava déficit de 160 servidores no Fórum de Juiz de Fora. De lá para cá, a situação só piorou com o crescimento da população residente na cidade e flutuante. “O Brasil inteiro está assim, com deficiência no aparelhamento do Judiciário, em função do volume avassalador de processos distribuídos diariamente em todo o país.”
Edir diz, ainda, que a 2ª Vara Criminal tem uma média de 250 processos em andamento de réus presos por assaltos, extorsão, sequestro, pedofilia, latrocínio, estupro, tráfico e outros crimes capitais e que esses têm prioridade na marcação de audiências, pelo fato de o réu já estar detido. Ainda existem os processos de réus presos relativos à Lei Maria da Pena. Exatamente por isso, o juiz afirma que não tem como antecipar a audiência de M., marcada para 2022, já que o autor está respondendo aos crimes em liberdade. “Tenho que dar celeridade aos processos com réus presos, porque senão os Tribunais mandam soltar por excesso de prazo”, afirma.
‘É necessário dar uma resposta’
Ao contrário de Izaura e M. que conseguiram romper o ciclo de violência, muitas vítimas ainda vivem silenciosamente a dor de um amor doentio. O juiz do Tribunal do Júri, Paulo Tristão, lembra que, além do feminicídio como qualificador de homicídios praticados contra mulheres pelo simples fato de serem mulheres, a Maria da Penha trouxe avanços para o aumento das penas. “A lei agrava o homicídio ou qualquer outra conduta ilícita quando praticada contra a mulher envolvendo essa relação doméstica.” Sobre os frequentes questionamentos como: “E se uma mulher mata um homem por ciúmes?”, o magistrado pontua: “É uma questão incomum. A lei também tem o objetivo de acompanhar as necessidades da sociedade a fim de punir com mais rigor e até abrandar em alguns casos, como foi feito na Antidrogas em relação ao consumo. Já o feminicídio coloca uma punição mais severa para evitar que essas circunstâncias voltem a se repetir.”
Mas por que mesmo com o endurecimento da legislação vítimas sofrem abusos diariamente, a maioria praticada por seus companheiros? Tristão acredita que a cultura machista arraigada na sociedade tem se transformado, embora lentamente. “Nunca vai deixar de existir (essa violência), mas com o tempo vai diminuindo. Esses casos, principalmente com a divulgação da imprensa, refletem a preocupação social e têm servido para que os maridos e namorados tenham uma reflexão.” Ele lembra que outro ponto histórico é a tolerância da mulher diante da conduta violenta do parceiro, seja por dependência econômica, pela manutenção da família ou por pressões emocionais. “É comum a mulher ser agredida a primeira vez, perdoar, e isso ir graduando até chegar ao extremo de uma tentativa ou um homicídio. Principalmente quando ela resolve se separar, e o marido fica inconformado com essa decisão.”
A insensatez que parece tomar conta dos agressores no cometimento de atos bárbaros contra as próprias mães de seus filhos tem consequências para essa geração, sim, mas ainda um pouco desconhecidas na opinião do juiz. “Não sabemos o que acontece na personalidade dos filhos de vítimas de feminicídio, principalmente quando os atos são praticados na presença deles, não necessariamente sendo vistos, mas talvez ouvidos. Não temos dados para dizer como essas crianças chegarão aos 20, 30, 40 anos. Mas com certeza pode haver influência negativa na personalidade delas.”
O magistrado acredita na agilidade da justiça para mudar o cenário violento. “A celeridade da justiça, seja para feminicídio ou o que for, em especial os casos mais graves, como homicídios e corrupção de agentes públicos, é extremamente importante. Não temos que seguir uma ordem cronológica dos fatos. Não temos que deixar na frente casos como lesão corporal leve ou de pessoa pega sem habilitação porque aconteceram antes, e jogar lá no final um caso grave, ocorrido depois. A celeridade é um fator importantíssimo para a diminuição da criminalidade, e a gravidade e a repercussão social precisam ser levadas em conta.”
Para Tristão, o clamor social é sem dúvida um direcionador. “O que a sociedade clama por justiça mais rápida deve ter um resultado, independentemente de condenação ou de absolvição. É necessário dar uma resposta. Temos tido uma diminuição ano a ano dos homicídios por diversos fatores, que começam pela Polícia Militar, passam pela Polícia Civil, Ministério Público e terminam nos julgamentos que estão sendo rápidos. Isso tem um reflexo muito grande nas penitenciárias. Hoje temos um número enorme de homicidas presos, que não estão aqui fora para matar. E os que estão aqui lembram que os outros estão lá.”
Nesta semana, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza a 11ª edição da Justiça pela Paz em Casa, concentrando seus esforços nos julgamentos de feminicídios ou de tentativas de homicídios contra mulheres. O objetivo é garantir que o problema da violência doméstica seja prontamente respondido. Em Juiz de Fora, no entanto, não haverá necessidade das medidas porque, segundo o Tribunal do Júri, todos os dez processos em tramitação de feminicídios tentados e consumados já estão em fase de audiência ou de recurso.
Depoimento de M.: “Era surra atrás de surra”
“Meu relacionamento começou em janeiro de 2009, e, em julho do mesmo ano, fiquei grávida. Em janeiro de 2013 fui morar com o meu agressor. (…) Em março de 2013 tivemos a nossa primeira briga (…) Um empurrão, um solavanco no braço e alguns gritos. Momentos depois, choros de arrependimento, pedidos de desculpa e beijos que não acabavam mais.
Em setembro de 2013 fomos em um churrasco. Brincamos, dançamos, nos divertimos. No meio do caminho de volta, começaram as agressões, dessa vez, piores. Socos, chutes, enforcamento, mordidas que chegaram a decepar um pedaço da hélice da minha orelha. Em casa, ele me jogou dentro do banheiro, e eu, para me defender, tranquei a porta, mas ele a derrubou com um pontapé e veio “com tudo” para cima de mim. Largou-me desacordada e saiu para passear com o cachorro. Quando voltou, veio carinhoso, amoroso, arrependido e dizendo que tudo era minha culpa. (…) Nós morávamos na casa que era dos meus pais, então, quem deveria sair de lá era ele. Aí começou o meu tormento, (…) ameaçava que sem mim não ficaria. Eu estava machucada, ferida, assustada, física e emocionalmente e preferi “viver bem”.
No Réveillon de 2013/2014 fizemos um churrasco no quintal da nossa casa. Lá pelas 2h, ele enlouqueceu, me mordeu, me bateu, me xingou, agrediu meu primo, minha mãe, nos ameaçou de morte. Me pegou pelo braço e me levou para a rua, ameaçando me jogar das escadas caso chamássemos a polícia. (…) me puxou pelos cabelos, me levou para o quarto, me obrigou a ter relações sexuais com ele e mais uma vez me culpou. (…)
Quarta-feira, 27 de março de 2014, fomos jantar em um restaurante. Me chamou para ir embora e, no meio do caminho, começou a me dar puxões de cabelo, solavancos nos braços e ameaçar, dizendo que se eu gritasse iria me matar (…) Aquela foi uma noite de tortura. Fui agredida de 21h30 até 3h30. Começou a me dar socos no rosto, batia com a minha cabeça nos móveis, nas portas, quebrou três janelas com a minha cabeça. No corpo delito mostra que, em todo o meu couro cabeludo, havia perfurações causadas por salto de sapatos. Eu desmaiei e, segundo vizinhos, ele jogava água na minha cara e dizia rindo: Acorda! Ainda não acabou. Caída no chão, ele me arrastou por toda a casa, marcando o chão com o meu sangue, e eu pedia por favor para ele parar, porque eu não aguentava mais. Neste momento, ele me colocou de pé, me despiu, me levou na varanda da casa nua e me mostrou para os vizinhos gritando que, já que eu era tão bonita, todos deveriam ver o meu corpo. (…)
Fiz o que ele mandou e foi registrado um BO de perturbação de sossego (…) Após a PM ir embora, ele me tirou do banheiro, dizendo que eu era muito bonita e gostosa e que por isso merecia apanhar e tentou transar comigo. Neguei, lembro que ele me jogou no chão e começou a me chutar. Desmaiei e só acordei no outro dia, quando ele me obrigou a entrar no banheiro, pois meu pai tinha chegado. Assustada, tranquei a porta e chorei muito (…) Quando abri, estava desfigurada, e o meu pai começou a chorar (…)
Fiquei um mês internada, tive traumatismo craniano, um coágulo no hipotálamo (parte do cérebro), fratura no nariz e no maxilar e, por causa dos chutes no abdômen, apareceu um nódulo na minha virilha. (…) Durante minha estadia no hospital, ele me ameaçava constantemente, me coagia. (…) Eu estava tão debilitada, com tanto medo que pensava: Deus, se eu não voltar para ele, se eu denunciar, ele vai me matar mesmo. (…) Seguimos durante mais um ano e nove meses. Na rua, eu tinha de rir para todos e o tratar com muito amor e carinho. Quando chegávamos em casa, era surra atrás de surra. Nesse período, ele queria me enlouquecer.
Dia 20 de dezembro de 2015, festa de fim de ano da empresa que eu trabalhava (…). Voltamos para casa, e ele me perguntou onde estavam os seus óculos de sol. Eu disse que não sabia, e a minha resposta foi o suficiente para ser espancada novamente. (…) Nosso filho, que na época tinha 4 anos, estava assistindo tudo e implorando para ele parar. (…) Quando ele cansou, me disse: ‘Vou no bar tomar uma e assim que eu voltar, vou te matar’. (…)Eu pensei: Realmente hoje eu vou sair daqui dentro de um caixão. E o meu filho? O que vai ser dele? Será que ele vai matá-lo também? Foi aí, que sem pensar muito, liguei para o 190 (…) Ele foi preso em flagrante e levado para o Ceresp.”