Obras a concluir, busca por celeridade no atendimento e foco na atenção primária são apenas alguns dos desafios da saúde pública que deverão ser enfrentados no próximo mandato municipal. O trabalho é ainda maior levando em consideração que Juiz de Fora é polo de saúde para cidades da região. O município é referência para atendimento de 37 cidades, totalizando 767.457 habitantes.
Esta matéria abre mais uma iniciativa do projeto “Voto e Cidadania” da Rede Tribuna. Durante o período eleitoral, aos domingos, nossa equipe abordará desafios da cidade, surgidos a partir da Pesquisa “Fala, JF”, que apurou as prioridades da população na destinação de recursos do Orçamento Municipal. A partir da publicação destas reportagens, a Tribuna elaborará uma pergunta relacionada ao tema. A questão será enviada a todos os candidatos na segunda-feira seguinte, às 8h. As respostas, de, no máximo, dois mil caracteres, devem ser enviadas até as 15h do mesmo dia, e serão publicadas na terça-feira, em nova matéria.
Neste domingo (18), o tema é saúde e quais os principais gargalos do atendimento público na cidade.
Atenção primária nas UBSs
As Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Juiz de Fora são a porta de entrada para o atendimento no SUS. Atualmente, existem 63 UBSs no município, 48 em área urbana. Uma nova UBS está sendo construída no Bairro Manoel Honório, região Nordeste da cidade. Conforme a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), a UBS Manoel Honório teve a obra da fundação concluída e está em fase de concretagem da laje. A previsão de conclusão é para 2025.
Segundo o Ministério da Saúde, os dispositivos são responsáveis por atendimento médico de diagnóstico e tratamento de cerca de 80% das enfermidades. São nessas unidades que a população tem acesso a medicamentos gratuitos e vacinas, faz atendimento pré-natal, acompanhamento de hipertensos e diabéticos, além de outras doenças.
No último ano, parte das UBSs de Juiz de Fora passaram por ampliação no horário de atendimento. São 43 unidades que funcionam de segunda à sexta-feira, das 7h às 19h, e aos sábados, das 7h às 12h, sem horário de almoço. Além disso, outras cinco têm atendimento ininterrupto, de segunda à sexta, das 7h às 17h. Isso foi possível devido ao credenciamento de 117 novas equipes de Saúde da Família, totalizando 229. Conforme a Secretaria de Saúde, cada uma das equipes é composta por médico, enfermeiro, técnico em enfermagem e agentes comunitários de saúde.
No entanto, em contato com profissionais da saúde que atuam nestas unidades, em algumas UBSs ainda faltam equipes completas. Para eles, a principal dificuldade é a falta de profissionais concursados, o que atrapalha o vínculo com a comunidade atendida. “Boa parte são pessoas com contratos temporários, efêmeros. Ou seja, a pessoa tem um prazo para entrar e outro para sair. Isso não fixa um profissional dentro da unidade e, principalmente, atrapalha o vínculo dele dentro da atenção primária. A gente sabe que um dos pilares da saúde primária é a questão do vínculo, daquela população ter um profissional de referência para recorrer, caso sinta necessidade”, afirmou um médico que preferiu não ter seu nome divulgado na matéria.
A queda na adesão dos grupos de acompanhamento também diminuiu, conforme os profissionais. Outro médico afirmou que notou redução de 70% na adesão desses grupos, que são pessoas com diabetes, hipertensão e crianças de até 2 anos. “Apesar de ampliar o horário, perdemos a questão do atendimento dos grupos. Antes a gente atendia as demandas gerais pela manhã e reservava o horário da tarde para o acompanhamento. Isso foi totalmente extinto, nós precisamos atender os pacientes agendados no horário de 7h às 13h. Se você marca para uma mãe levar uma criança dentro desse horário, às vezes o bebê está na creche, ou a mãe está fazendo almoço, não pode sair, e ela acaba perdendo seu atendimento.”
Superlotação e demora no atendimento de saúde nas UPAs
O tempo de espera para transferências da UPA para hospitais da cidade foi abordado pela Tribuna de Minas em matéria recente. Conforme relatado na época, pacientes chegavam a ficar internados por mais de uma semana antes de conseguirem leito em um hospital. Devido a superlotação, as internações aconteciam, inclusive, nos corredores da unidade.
Para a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Sandra Helena Tibiriçá, os gestores precisam ter em mente os desafios de administrar uma cidade que é um polo de saúde para a região. “A gente precisa, primeiramente, entender a posição geográfica do município como líder de um polo de saúde, devido a sua maior quantidade de recursos tecnológicos e humanos. Temos vários outros municípios do entorno que dependem de Juiz de Fora.”
Ela explica que o próximo mandato precisa ter uma visão ampla da regionalização do sistema de saúde de Juiz de Fora. Com os leitos de hospitais ocupados com pacientes não apenas do município, mas de toda região, consequentemente, a demora na transferência nas UPAs tende a ser maior. “Será preciso pensar em uma maneira de contornar essa sobrecarga de forma articulada com outros municípios, somando recurso humano, financeiro e infraestrutura física e tecnológica para dar conta dessas urgências e emergências.”
Sandra ressalta que essa problemática vem à tona principalmente em momentos de crise, como aconteceu durante a pandemia da Covid-19. “Você depende dessa regionalização especialmente em momentos críticos, quando temos surtos de doenças infecto-contagiosas. A exemplo do período do inverno, quando há um aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave e geralmente uma superlotação dos leitos infantis.” Com isso, a médica aponta que os próximos gestores terão que encontrar respostas para que o sistema de saúde regionalizado do município possa enfrentar esse tipo de situação.
Atendimento de porta no João Penido
Durante nove anos, a reabertura do atendimento de porta do Hospital João Penido foi uma demanda dos moradores da Região Nordeste da cidade. Em 2014, o serviço de urgência e emergência do aparelho, que é referência para região, foi fechado e nunca mais reaberto. Desde então, diversas questões foram colocadas em pauta, como a transferência da administração do hospital da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) para as mãos de uma organização social (OS).
Em dezembro de 2023, parte da demanda dos moradores foi atendida pela Administração municipal que, em uma parceria com o Hospital Ana Nery, abriu uma unidade de Pronto Atendimento na região Nordeste. A unidade de urgência e emergência conta com atendimento adulto e pediátrico 24 horas por dia. O serviço oferece oito leitos de urgência e emergência adulto e quatro pediátricos.
Laurindo Rodrigues é um dos integrantes da comissão de moradores formada para discutir a ausência de unidade de saúde na Região Nordeste. Para ele, a abertura do pronto atendimento na região ajudou muito a carência que os moradores tinham de um lugar de referência em momentos mais graves. Questionado sobre a reabertura do atendimento no João Penido, o morador afirma que seria bem-vinda, porém não é uma questão tão urgente quanto era antes.
“O que a gente queria é que a população da Região Nordeste tivesse um ponto de referência no atendimento da urgência e emergência e isso o (hospital) Ana Nery tem cumprido bem. Se o atendimento no João Pedido voltar, vai vir para somar e será muito bem-vindo. Mas temos medo de perder o que já conquistamos. O que não queremos é que tire um em detrimento do outro”, explica Laurindo.
Obras inacabadas
Dois hospitais de grande porte estão prometidos para Juiz de Fora, porém inacabados. Um deles, o Hospital Regional, não deve ter continuidade. Em abril, durante uma visita à cidade, o secretário de Estado de Saúde (SES-MG), Fábio Baccheretti, anunciou que o Estado não iria retomar as obras no equipamento de saúde.
Baccheretti detalhou os motivos da decisão, que envolvem os riscos estruturais do prédio. Apesar da descontinuidade das obras, o titular da pasta garantiu que Juiz de Fora e região contarão com os R$ 150 milhões inicialmente previstos para o Hospital Regional, que devem ser direcionados para a aquisição de equipamentos do novo Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF/Ebserh) e a ampliação do Hospital João Penido.
O segundo equipamento de saúde com obras paralisadas é o HU-UFJF. Este, além de ganhar parte dos recursos que seriam destinados ao Hospital Regional, recebeu aporte de mais de R$ 179 milhões por meio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) e deve ter suas obras retomadas. Os recursos serão destinados para as obras do Bloco E do HU-UFJF. O prédio terá 13 andares com capacidade para 377 leitos, sendo 310 operacionais e 67 complementares. Além disso, o bloco contará com salas cirúrgicas, hemodinâmica, centro de diagnóstico por imagem, laboratórios de análises clínicas e agência transfusional.
As obras, por mais que sejam de responsabilidade do Governo de Minas e do Governo Federal, são parte importante da aparelhagem de saúde de Juiz de Fora e podem melhorar significativamente o atendimento para a população da cidade, caso entregues. A médica Sandra Tibiriçá afirma que a descontinuidade do Hospital Regional apresenta uma grande perda para a Regional de Juiz de Fora, visto que foi uma obra planejada para atender uma demanda de leitos que já existia na época e segue nos dias atuais.
Quanto ao HU-UFJF, ela enxerga a retomada das obras como um salto enorme no atendimento de saúde em Juiz de Fora. “Se a gente conseguir retomar as obras do Hospital Universitário, ampliar todos os projetos e trabalhar em rede junto com o Município, com atenção secundária e atenção primária, eu acho que vamos ter um grande avanço no atendimento. É uma oportunidade também de trazer o serviço de urgência e emergência, desafogando mais uma linha do nosso sistema.”