“De bobo ele tem só a cara”, explica o veterinário especializado em animais silvestres, Rômulo de Castro, em relação ao macaco Cornélio, que ganhou destaque na Tribuna na última quarta-feira (16), após ter mordido um morador do Bairro Tiguera, região Sudeste de Juiz de Fora. Cornélio é um bugio-ruivo, primata que pode chegar a um metro de comprimento e pesar até oito quilos.
O macaco, que chama atenção pelo tamanho, possui uma vocalização muito específica e muito alta. Estes “gritos” podem ser ouvidos a grandes distâncias, sendo usados para demarcação territorial e união do grupo. Esse comportamento acontece principalmente ao amanhecer e ao entardecer, sendo o coro iniciado pelo macho alfa. Eles vivem em grupos que podem ter de três a oito indivíduos.
Com a exceção do episódio relatado à Tribuna na quarta, o macaco Cornélio costuma ser manso e amigável, conforme conta o professor aposentado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Faustino Teixeira. Ele mora com o filho – vítima da mordida – em um condomínio em região de mata no Bairro Tiguera. De acordo com ele, desde junho de 2022 que Cornélio apareceu nos arredores e passeia entre as casas.
“Já tinha visto macacos do tipo aqui na região, mas isso faz uns 7 anos. Eles nunca se aproximaram. Ficavam no alto das árvores, só olhando, depois de uns dias iam embora.” O Cornélio, não. Diferentemente dos outros, ele chegou e permaneceu. Nos últimos meses, inclusive, ele tem entrado na casa de Faustino, o que causa preocupação. “Encontrei ele no meu escritório. Ele entrou sem fazer bagunça, não derrubou um vaso da janela.” O professor ainda conta que o animal chega a “dançar” ao som da flauta tocada pelo vizinho. “Eu gravei um vídeo, dia desses. Dele dançando e cantando”.
Faustino diz que alimentou Cornélio algumas vezes, mas admite que a atitude foi errada. “Foram algumas vezes, apenas. Mas depois que ele foi ficando, a gente parou, até para não estimular a presença dele aqui.” Hoje em dia, conforme conta, o macaco se aproxima e eles fazem de tudo para evitar o contato. “Mas é uma coisa que parte dele. Ele não pode ver meu filho na rede, que já desce para ficar perto.”
A hipótese de Faustino é que o macaco possa ter vindo de uma região de mata fechada no Bairro Poço Dantas, onde inclusive existem outros animais da mesma espécie. “Já fui caminhar lá e ouço o grito deles. Lá existem mais macacos do tipo. Aqui, eu só vejo ele. Acho que pode ter sido expulso do grupo, talvez.”
Faustino disse que entrou em contato com órgãos competentes do município para saber se é recomendada a realocação do animal. “Ele é muito tranquilo, o que me preocupa é que alguém possa fazer uma maldade com ele. E aqui ele não está seguro, muito próximo dos moradores, ainda corre o risco de pegar uma doença.”
A Guarda Municipal afirmou à Tribuna que, no caso dos primatas, quando estão saudáveis, não são removidos de seu habitat de origem, pois são animais territorialistas.
É preciso distância
Conforme o veterinário Rômulo de Castro, por mais que os animais silvestres chamem a atenção, é necessário sempre manter distância. É preciso entender que, mesmo que a espécie tenha comportamentos semelhantes aos de um animal domesticado, ela pode apresentar riscos. “Um animal silvestre é muito mais perigoso que qualquer pitbull que você possa ter em casa.”
Os bugios, especificamente, devido ao tamanho e ao peso, são extremamente fortes. “Eles têm aquela cara de bobo, mas podem ser muito perigosos se ameaçados. Eu sempre falo, animais silvestres são muito bonitinhos, a coruja é bonitinha, o gavião, mas não se põe a mão em animais silvestres. Eles são imprevisíveis.”
Espécie é ameaçada de extinção
O professor e pesquisador do departamento de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Fabrício Rodrigues, explica que os bugios-ruivos não são comuns em Juiz de Fora, visto que a espécie está ameaçada de extinção após sofrer com o surto de febre amarela que ocorreu entre 2016 e 2017. “Temos registros antigos da presença de bugios em Juiz de Fora, mas a maioria das populações que existia no Sul e Sudeste do país foi eliminada pela febre amarela. Existiam muitas áreas que era comum ouvir os bugios, ver era difícil, já que eles são bichos bem esquivos, mas hoje em dia não temos mais.”
A espécie, no entanto, apresenta movimentos de recuperação, com relatos de moradores que dizem ter voltado a ouvir o bugio em locais que eles já não apareciam mais. Fabrício ressalta que os bugios são animais estritamente herbívoros, alimentando-se principalmente de folhas, e não apresentam qualquer risco à espécie humana, apesar da força. “É um animal que foge da espécie humana. Durante muito tempo ele foi caçado, então ele evita qualquer interação com o ser humano.”
No caso do macaco Cornélio, Fabrício acredita que o animal poderia estar sendo tratado. “É possível que ele já seja domesticado e estava insistindo em comer alguma coisa na casa dos moradores da região. Evitar a oferta de alimento é o certo a se fazer, porque, se alimentar o macaco, ele vai ficar voltando recorrentemente.”