A matrícula presencial dos aprovados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) começou na manhã dessa quarta-feira (13) e segue até sexta (15). A agora universitária Jandira Lopes de Andrade, 63 anos, aprovada para o curso de Letras, foi uma das primeiras a chegar para se inscrever. Tendo passado pelo Curso Preparatório para Concursos (CPC) da Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) e lidado com as limitações da deficiência visual, a caloura contou que se sentia emocionada.
“Estou me sentindo no céu. Foi tudo muito bem. Cheguei, eles dividiram os cursos e a matrícula para Letras foi às 10h. Todos foram muito atenciosos, me ajudaram muito, porque tem muita coisa para escrever. Fui ao Núcleo de Apoio à Inclusão (NAI) onde também fui muito bem acolhida. Agora está feito, as aulas começam no dia 11. Se Deus quiser, nessa data, estarei lá em cima (na faculdade)”, disse Jandira, que elogiou a forma como foi acolhida, desde a primeira vez que teve contato com a universidade, quando teve o apoio de um ledor durante o Enem.
De acordo com a professora Katiúscia Vargas, coordenadora do NAI, oferecer esse recurso já no momento da prova é o primeiro passo para democratizar o acesso ao ensino superior, com diferentes alternativas, como a política de cotas. “Precisamos pensar em processos seletivos que também sejam inclusivos. Para uma pessoa cega, ter uma ajuda do ledor, ou de um transcritor, e até mesmo a uma prova em braile é fundamental. Se não for assim, nem adianta garantir a vaga, se a prova não condiz com esse princípio de acessibilidade.”
Ainda segundo Katiúscia, a importância de ter pessoas como Jandira dentro da universidade começa com o exercício do direito de ter acesso a esse nível de escolaridade, independente de ter ou não deficiência, partindo da ideia que é uma grande conquista para o grupo, que precisou superar muitos processos de exclusão até agora.
“É muito rico para a universidade conviver com essa diversidade e trazer outros grupos, que, historicamente, foram excluídos do ensino superior. Mas por outro lado, também é um grande desafio.”
Isso acontece, conforme a coordenadora do NAI, porque a instituição precisa se organizar para garantir a permanência desses alunos. “Seja na oferta de recursos, de tecnologias e de acessibilidade, como para nós professores, para pensarmos estratégias metodológicas que possam contemplar as especificidades desses alunos.”
Ao fazer a matrícula, Jandira teve seu primeiro contato com o NAI, que tem por objetivo, como explicou Katiúscia, se organizar para atender às demandas dos estudantes. “No caso dela, o primeiro passo é vermos quais estratégias ela mesma utilizou e utiliza em seu processo de escolarização. A partir dali, buscamos proporcionar para ela a utilização de tecnologias assistidas, como o computador, com programas específicos, para adaptar o material didático”.
Ela ainda pontua que a UFJF já tem espaços sinalizados com piso tátil para pessoas com deficiência visual. Mas nem todos têm essa sinalização. “Dentro dessa perspectiva, eu penso que é com esses estudantes que conseguimos pensar no que é melhor para eles. A política do NAI é sempre conversar com o estudante e acompanhá-lo. Temos outros estudantes com deficiência visual na UFJF, mas cada um deles apresenta uma demanda específica. Depende muito do curso que a pessoa escolhe, dentro daquela área de formação”.
Garantindo a oportunidade de acesso
Em sua preparação, no CPC, Jandira participava das aulas, embora não tivesse como ver a matéria que era passada no quadro. Mas os professores se preocuparam em ajudá-la a se preparar para a prova. “Procuramos lançar um olhar especial para as pessoas mais vulneráveis. Vimos a necessidade de um acompanhamento maior nos simulados. Procuramos tornar esse ambiente mais acolhedor com ela. Para os alunos, a Jandira se tornou um modelo e ajudou a despertar a vontade de outras pessoas para atingir seus objetivos. Isso é muito gratificante,” disse Jaqueline Trovato.
A professora de Física Michelly Andrade acompanhou Jandira em um dos simulados que ela fez, como ledora. “Como ela tem baixa visão, líamos o simulado. Como eu dou aula de Física, a acompanhei na prova de Ciências da Natureza e Matemática. Fizemos a prova em uma sala separada, com o tempo que o Enem proporciona, de cinco horas e meia, mas se ela quisesse parar para tomar água, ou ir ao banheiro, tinha o tempo dela. Nós líamos aos poucos. Ela é muito esforçada. Então, apesar de não conseguir enxergar, conseguia visualizar bem as questões na cabeça dela e guardar as alternativas.”
Para Michelly, a primeira experiência como ledora deu a ela outra visão sobre a aplicação de provas para pessoas com deficiência. “Principalmente na área de exatas, mudou muita coisa. Nem todos os cursos têm alguém que possa auxiliar, ter essa base no nosso cursinho é um diferencial. Muitas vezes, essas instituições nem aceitam essas pessoas. É especial e muito edificante. Fiquei receosa, porque nunca tinha trabalhado dessa forma. A gente tentou ao máximo deixá-la à vontade. Seguíamos o ritmo dela e funcionou bastante.”