Ilhas de calor em Juiz de Fora: diferença de temperatura entre UFJF e Centro chega a 9°C
Situação é intensificada pela falta de áreas verdes, grande quantidade de asfalto, alto fluxo de veículos e verticalização da cidade

“Temos uma cidade que vem se tornando cada vez mais quente”. A frase da climatologista e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Cássia Ferreira, pôde ser sentida na pele dos juiz-foranos que enfrentaram as altas temperaturas em fevereiro deste ano, principalmente aqueles que vivem no Centro. Mais do que uma constatação empírica, a afirmativa é também parte de um estudo desenvolvido pela professora sobre o fenômeno das ilhas de calor na cidade.
Durante o mês de fevereiro, ela aferiu a temperatura no Centro e na UFJF, separados por cerca de 5 quilômetros, e observou uma diferença, durante a noite, de cerca de 9 graus Celsius. Esse desequilíbrio é intensificado pela falta de áreas verdes, a grande quantidade de asfalto, o alto fluxo de veículos e a verticalização de Juiz de Fora, causando desconforto térmico e perda de qualidade de vida para a população.
Durante as avaliações feitas pela professora e seu grupo de alunos, foi possível perceber, durante o dia, uma diferença entre 6 graus e 7 graus nos termômetros. Isso acontece porque, como explica, a diferença no período noturno se acentua, já que o espaço que a UFJF está localizado, cercado de árvores e menor fluxo urbano, apresenta condições para um “resfriamento natural”. Enquanto isso, as áreas urbanizadas passam a ter mais impermeabilização do solo.
“A diferença é mais evidente porque a universidade vai esfriar mais rápido, enquanto no Centro é feita a retenção desse calor”, explica. Durante as ondas de calor, portanto, fica evidente que algumas partes da cidade sofrem um efeito mais grave das altas temperaturas.
As ilhas de calor são um fenômeno climático essencialmente provocado pela ação humana. Ela explica que essa disparidade ocorre pela forma pela qual os centros urbanos são construídos, colaborando ou não para as altas temperaturas. “Precisamos ter mais praças, mais ruas arborizadas, mais pavimentos impermeáveis. Também é necessário ter minimização do fluxo de veículos na área central e, consequentemente, priorização de transportes coletivos.”
Formação de várias ilhas de calor
Por conta do processo de adensamento urbano, Cássia destaca que já percebe em suas pesquisas a formação de novas ilhas de calor, não apenas entre o Centro e a Cidade Alta, onde é possível perceber essa grande diferença de temperaturas. “A ilha de calor se estende ao longo de Juiz de Fora. A faixa pior é essa central, mas temos uma faixa que se estende ao longo do vale do Paraibuna. São características que persistem ao longo da cidade toda. Nós não falamos de uma ilha de calor, mas de várias ilhas de calor”, diz.
Ela cita, como exemplo de locais onde estão se formando essas novas ilhas de calor, bairros como Benfica e Manoel Honório, que também apresentam pouca vegetação, congestionamento de carros e verticalização.

Nível de vegetação no Centro segue abaixo do recomendado
Em pesquisa realizada em 2015, pelo geógrafo e educador ambiental Carlos de Araújo, foi constatado que nos espaços públicos do município havia quatro metros quadrados de área verde por habitante – enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda 12 metros quadrados, e a Sociedade de Arborização Urbana estabelece como parâmetro desejável 15 metros quadrados. Essa situação, como nota o professor de ecologia do Departamento de Botânica da UFJF, Fabrício Carvalho, persiste – e é aguçada pela falta de estudos atualizados sobre os dados de vegetação em vias públicas. “Como especialista na área de ecologia florestal, o que falta é árvore. Árvore é um regulador. Nós temos a substituição de áreas com árvores, cujo solo tem maior impermeabilidade, por áreas concretadas, que retêm calor e funcionam como um refletor”, diz.
Apesar de em algumas áreas da cidade haver mais vegetação, como nas proximidades do Krambeck e do Jardim Botânico, ele avalia essa quantidade como desigual. “A gente observa também que, para muitas pessoas, a árvore é vista como um problema, como em função da queda das folhas e de galhos, e isso dificulta muito a presença de árvores em áreas urbanas”, avalia. Ele destaca que até mesmo os projetos paisagísticos da cidade vão no sentido de cimentar os terrenos. “Isso não faz sentido dentro do que se espera das emergências climáticas e aumentos de temperatura”, destaca. A pesquisadora Cássia pensa da mesma maneira. “No contexto de temperatura, precisamos de árvores. Plantinhas, herbáceas, gramíneas e coqueiros são muito bonitos, em termos do paisagismo, mas em termos da eficácia com relação à temperatura são muito pouco eficientes, porque não possuem sombreamento em superfície.”
Atuação do poder público para mudar cenário
A atuação do poder público seria muito importante para mudar esse cenário de ilhas de calor, como observam Cássia e Fabrício. “Nós não temos um dado sobre a vegetação em vias públicas. Precisamos realizar o diagnóstico e um plano para aumento da arborização”, afirma o pesquisador. Para ele, também falta um planejamento estratégico para que se tenha um plano de arborização do município que envolva cientistas para decidirem onde, o quê e qual quantidade deve ser plantada. “A partir desse momento, ter também uma manutenção dessa vegetação de forma que se escolha a espécie que não gere um dano a um veículo, ou cuja semente não vá sujar a lataria”, diz.
Levando em conta a quantidade de pessoas que habitam o Centro e que circulam de carro na região, ele também entende que a arborização da cidade só vai caminhar de maneira efetiva com um reordenamento territorial. E, também, que sejam pensadas alternativas variadas pela cidade. “As pessoas só conseguem enxergar a arborização pelo plantio convencional de árvores, mas temos várias técnicas mundo afora, em grandes metrópoles, que mostram que isso é possível”, diz. No entanto, ele afirma que falta vontade política e corpo técnico nas coordenações das secretarias. “Nós não tivemos nenhum secretário de Meio Ambiente nos últimos anos que fosse da área de meio ambiente. Precisamos de uma pessoa especializada e aberta a dialogar com a universidade, inclusive para trazer recursos para a cidade e aplicar políticas de mitigação de alterações climáticas em cidades resilientes.”
Prefeitura afirma já tomar medidas para mitigar problema
A Tribuna fez contato com a Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) para indagar sobre essas questões e pedir respostas em relação às queixas apresentadas pelos especialistas. A secretária Aline Junqueira afirmou que a cidade já conta com diversas iniciativas para mitigar as ilhas de calor urbanas. “Desde 2023, mais de 2.500 árvores foram plantadas em áreas públicas, como canteiros de vias e praças, para aumentar a cobertura vegetal e proporcionar sombra, contribuindo para a redução das temperaturas locais.”
Ela também afirmou que projetos recentemente aprovados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) incluem mais arborização, a implementação de jardins de chuva e uma urbanização que atende às necessidades climáticas. E destaca, entre as ações, a criação do Monumento Natural do Morro do Cristo, que serviria para ajudar na regulação térmica e no equilíbrio climático do município. Ela informa que a Prefeitura também está pleiteando financiamento junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para novos projetos que visam a revitalização do Centro e a qualificação das margens do Rio Paraibuna. “Esses projetos incentivarão a mobilidade ativa, ampliarão áreas verdes e implementarão soluções baseadas na natureza, como jardins filtrantes/parques alagáveis e contenções permeáveis.”
Sobre a quantidade de árvores no Centro, foi afirmado que foram plantadas cerca de 500 mudas, dentro do programa “Cultivar o Futuro”, e os projetos de requalificação urbana, especialmente do Centro Histórico, estão incorporando mais arborização e soluções baseadas na natureza. Já o Plano Municipal será elaborado pensando na necessidade de expandir a arborização para as áreas periféricas. “Estamos levantando outras informações para elaborar uma regulamentação da norma, considerando os parâmetros atuais e utilizando compensações para a arborização urbana”, diz.
Por fim, a secretária afirmou que a gestão de uma pasta do Executivo não, necessariamente, requer uma formação técnica específica, mas sim o alinhamento com o programa de governo eleito. “O diagnóstico, a formulação e a implementação das políticas públicas devem ser acompanhados tecnicamente. Por isso, contamos com o corpo técnico da Secretaria e com a parceria da UFJF”, declarou em nota.