A ausência de pagamento de salários referentes a junho de 198 rodoviários do transporte coletivo urbano de Juiz de Fora vinculados à Goretti Irmãos Ltda (Gil) deflagrou nova paralisação da categoria nesta quarta-feira (8). Os rodoviários estacionaram os coletivos nas duas faixas exclusivas aos veículos na Avenida Getúlio Vargas, bem como no corredor central da Avenida Barão do Rio Branco, dificultando o tráfego dos demais ônibus, provocando transtorno aos passageiros e longa espera nos pontos.
Ainda que os pontos da Rio Branco estivessem vazios, os da Getúlio aglomeravam muitos usuários à espera de deslocamento para as regiões mais afastadas. Os rodoviários, por sua vez, concentravam-se na Rua Halfeld, nas esquinas com a Rio Branco e com a Getúlio. Parte recorreu a quentinhas enquanto esperava por alguma solução ao imbróglio durante a tarde.
A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) ajuizou ação civil pública com pedido de tutela liminar para o retorno imediato do serviço de transporte público. Até às 21h desta quarta, no entanto, não havia previsão de retomada do serviço na cidade.
A paralisação dos rodoviários pegou os populares desprevenidos. As aglomerações eram comuns nos locais de embarque, especialmente da Avenida Getúlio Vargas. Os usuários admitiram à Tribuna, por volta das 14h, que já aguardavam a retomada do transporte coletivo urbano há aproximadamente duas horas. Em razão da proximidade com o quinto dia útil de julho, muitos foram à região central para retirar o pagamento e quitar contas. Outros, por sua vez, aguardavam os coletivos para o deslocamento ao trabalho.
Donato de Almeida Costa, funcionário de uma malharia no Bairro Milho Branco, Zona Norte, foi um dos prejudicados. “Entro às 15h no emprego. Trabalho até às 23h. Eu devo ter chegado aqui no ponto 13h30 mais ou menos. Já estou esperando há mais de uma hora. Vou esperar (a paralisação) resolver, porque não posso pegar um táxi ou outro meio de transporte até o emprego. Se o patrão pagasse, até iria (risos). Já avisei ao rapaz que vou render que não tem ônibus. No caso, se ele for embora, ele pode desligar as máquinas até que eu chegue.” Como Donato mora no Bairro Aracy, Zona Sudeste, havia caminhado até à Avenida Getúlio Vargas a pé.
Já Tânia Maria de Oliveira Freitas esperava ônibus para retornar para casa no Bairro São Judas Tadeu, Zona Norte. “Estou esperando ônibus desde umas 14h15 (já era 15h) para voltar pra casa. Eu não sabia que haveria paralisação, senão nem tinha saído de casa. Vim ao Centro para receber o dinheiro e pagar algumas contas. Estou esperando para ir embora descansar. O que tinha para fazer, já fiz.” Tânia aguardava ainda a filha, que estava na região central, para decidir se esperaria ainda o coletivo ou optaria pelo transporte por aplicativo. “Na hora que ela chegar, devemos ir embora em um transporte particular. Para a minha casa, dá em torno de R$ 40. Quando dividimos com outra pessoa, é mais acessível. Mas tem gente que vem com o dinheiro contado para o Centro.”
Rosilene Aparecida da Silva não tem condições de solicitar uma viagem em transporte por aplicativo, já que é moradora do Bairro Igrejinha, Zona Norte. “Estou esperando um ônibus há umas duas ou três horas. Estou voltando para casa. Posso pegar as linhas Igrejinha, Humaitá, Valadares e Rosário, por exemplo. Vim trabalhar por volta das 7h30. Quando desci de manhã, os ônibus já tinham paralisado. Tive até que descer fora do ponto. Como é longe, não dá para voltar em transporte por aplicativo ou táxi. Pelo menos já consegui almoçar.”
O imbróglio
Os 198 trabalhadores que não receberam os vencimentos foram cedidos, pela Gil, em janeiro, à Auto Nossa Senhora Aparecida Ltda. (Ansal) para a prestação de serviços após acordo de remanejamento de linhas entre as viações – Gil e Ansal integram, respectivamente, os consórcios Manchester e Via JF. Entretanto, desde que dispensados pela Ansal em 15 de junho, a Gil não os teria reintegrado efetivamente aos seus quadros. De acordo com a categoria, os ônibus voltarão a circular apenas caso a parcela de 30% dos salários referentes a junho seja quitada, uma vez que os demais 70% foram arcados pelo Governo federal a partir da Medida Provisória (MP) 936/2020. Além disso, os rodoviários condicionaram a retomada à definição de qual viação será, de fato, a empregadora. Após audiência sem acordo no Ministério do Trabalho, a paralisação, iniciativa dos próprios trabalhadores, segundo eles, seguirá por tempo indeterminado.
Embora os 198 rodoviários tenham a carteira assinada pela Gil, eles estão desde o início de julho sem saber para qual viação prestarão os seus serviços. Nenhum destes funcionários teria trabalhado durante este mês, por exemplo. “No acordo entre as empresas para a compra das linhas, a Gil nos mandaria embora para a Ansal nos contratar. Porém, a Gil não cumpriu o acordo. A Ansal fala que somos funcionários da Gil, mas a Gil fala que temos vínculo com a Ansal. A gente quer trabalhar. A gente está a ver navios. Queremos colocar as contas em dia. Não posso pagar a conta de energia em duas vezes”, afirma o motorista Everaldo Pereira da Silva, entre os funcionários cujo futuro está indefinido. Conforme Everaldo, que trabalha há quatro anos como motorista para a Gil, durante junho, ele trabalhou 15 dias para a Ansal e outros quatro para a Gil. “Depois, fiquei em casa aguardando uma ligação da Gil (para voltar). Não recebemos (o salário) nem da Ansal nem da Gil. O pagamento deveria ter sido realizado na última segunda (6).”
Assim como Everaldo, o motorista Sebastião Anderson Moreira, há sete anos na Gil, também prestou serviço para ambas as empresas durante junho: na primeira quinzena, para a Ansal; em quatro dias da segunda quinzena, para a Gil. “Somos cerca de 200 trabalhadores que não têm certeza de nada. Nem do nosso emprego. Por conta de um problema que não é nosso. É um problema mal resolvido entre a Gil e a Ansal. Somos que nem filho feio: não temos pai. O prejuízo está sendo nosso. Nenhum dos 198 trabalhou ainda durante o mês de julho.” Segundo o trabalhador, há outras pendências em aberto. “Tem funcionário da Gil que nem recebeu a última parcela do salário referente ao mês de maio. Ninguém toma atitude. É de conhecimento da Prefeitura.”
De acordo com um trocador vinculado à Gil, que pediu à Tribuna para não ser identificado, as contas de casa estão pendentes, por conta da ausência de pagamento, uma vez que todas vencem próximo ao quinto dia útil de cada mês. “Estamos contando com o dinheiro para pagar conta de luz, aluguel, supermercado, mas o dinheiro não vem, aí fica complicado. O tíquete cairia só no dia 20. Já estamos sem receber cesta básica há dois meses (após acordo realizado em março com a empresa). Fazemos uma manifestação pacífica, sem travar trânsito algum. Estamos apenas em busca dos nossos direitos.” O trocador também prestou serviços tanto para a Gil quanto para a Ansal em junho. “Cheguei a trabalhar cinco dias para a Gil em junho e outros sete para a Ansal – a minha escala é dia sim, dia não -, mas cumpri todas as 66 horas da jornada. Desde o dia 30 de junho, no entanto, não trabalho.”
Procurada, a Ansal informou à reportagem que não se posicionará sobre os questionamentos realizados. Em nota encaminhada à Tribuna na noite desta quarta, a assessoria jurídica da Gil afirma que a “tentativa de devolução” dos funcionários pela Ansal à empresa, realizada em junho, foi uma “decisão unilateral e sem qualquer comunicação prévia”. “Na cessão das linhas (em dezembro de 2019), foi combinado entre as partes, inclusive perante o Poder Público, a fim de se evitar um possível desemprego em massa, que a Ansal ficaria responsável pelos contratos de trabalho e pela coordenação dos serviços. Havendo um período de transição para que a Gil realizasse as rescisões contratuais. (…) Com a redução das linhas de ônibus assumidas pela Ansal (em junho último), a Gil não possui mais as funções disponíveis de motoristas e cobradores que trabalhavam naquelas linhas, não sendo possível, nesse momento, a readmissão dos mesmos.” A Gil conclui que, desta maneira, os 198 rodoviários atualmente possuem vínculo empregatício com a Ansal, “uma vez que prestaram serviços exclusivamente para ela e sob sua subordinação”.
‘Espontânea’
De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Juiz de Fora (Sinttro/JF), Vagner Evangelista, a paralisação da categoria foi espontânea, em solidariedade aos 198 rodoviários vinculados à Gil. “A manifestação não foi organizada pelo Sinttro/JF. Os próprios trabalhadores decidiram parar. Nós não podemos impedi-los. Na verdade, nós não conseguimos impedi-los. Tentamos dialogar com os trabalhadores para evitar a paralisação. Enquanto não for resolvido (o imbróglio), eles não vão voltar a rodar. (…) Não queríamos a paralisação. A população está sendo prejudicada. Todos estão sendo prejudicados, na verdade. Estamos tentando resolver a situação desde às 11h dessa terça-feira (7), mas o trabalhador não queria mais esperar.”
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Sem acordo no Ministério do Trabalho
Após quatro horas e meia de reunião entre trabalhadores e representantes da Ansal e da Gil, realizada de forma on-line e mediada pelo Ministério do Trabalho, as empresas não entraram em consenso sobre quem deve pagar os 198 rodoviários. “Infelizmente, não houve acordo, apesar da apresentação de diferentes propostas”, confirmou à Tribuna o chefe de Relações do Trabalho, Sérgio Nagasawa. Ainda de acordo com ele, uma nova data deve ser agendada para dar continuidade à negociação, mas sem informá-la. A assessoria de comunicação do Sinttro/JF também confirmou à reportagem a falta de um consenso entre as viações. Como aguardava por uma solução por meio da mediação do Ministério do Trabalho, a categoria promete manter a paralisação por tempo indeterminado.
A Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), no entanto, ajuizou ação civil pública, com pedido de tutela liminar em caráter provisório e de urgência, na Vara da Fazenda Pública e Autarquias Municipais da Comarca de Juiz de Fora. O Município solicita o retorno imediato do serviço de transporte público. No documento, aponta a necessidade de ter, pelo menos, 85% da frota que opera linhas que atendem hospitais e postos de saúde em circulação. Com relação às demais linhas, o percentual mínimo é de 70%. O Município propõe, ainda, a cobrança de multa de R$ 100 mil por hora em caso de descumprimento. A ação pede, ainda, que o Sinttro se abstenha de promover nova manifestação com paralisação do serviço de transporte, considerado essencial à população, sob pena de cobrança de multa no mesmo valor.
Uma das justificativas apresentadas pelo Município é que “a suspensão total e, mesmo a parcial, que traga a disponibilização do serviço público de transporte para patamares aquém do mínimo estabelecido pelas ordens de serviço da Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra), por meio do secretário de Transporte, autoridade administrativa competente para estabelecê-los, causa prejuízo direto e incomensurável à população (social e consumerista), especialmente diante das medidas excepcionais preventivas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus (Covid-19)”.
O Sinttro/JF, por sua vez, garantiu à Tribuna que ajuizará um pedido de mediação pré-processual no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3), sediado em Belo Horizonte, para solicitar auxílio em busca de resolver o problema.
Negociação pela manhã
Durante a manhã, em reunião intermediada pelo secretário de Transporte e Trânsito (Settra), Eduardo Facio, Gil e Ansal já teriam discordado sobre o pagamento dos 30% dos vencimentos dos trabalhadores referentes a junho. O presidente do Sinttro/JF, Vagner Evangelista, e mais dois rodoviários dos 198 também participaram do encontro. De acordo com Vagner, embora a Ansal tenha se comprometido a quitar a parte referente aos serviços prestados à viação, a Gil não teria aceitado gerar os códigos das contas bancárias de cada um dos rodoviários envolvidos.