Para começo de conversa, Marina relata que costuma dar broncas em um casal de amigos, no qual percebe que a mulher abre mão de suas opiniões, para atender ao que ele pensa ser correto. A atleta aconselha a amiga a exercer as suas vontades e não mudar de ideia apenas porque ele discorda do ponto de vista dela. “Ninguém pode falar sobre o que é ser mulher, sem sentir na pele o que é ser mulher”, ela considera. Marina não deixa de se posicionar ou apontar situações em que o machismo está presente. Inclusive, quando se trata da forma que a mídia costuma lidar com a mulher.
“As matérias que vão falar de mulher, vão falar da beleza, não falam sobre em que ela é boa. Marta vai sair nas matérias como uma musa do futebol. Não. Ela é boa! Ela é a melhor do mundo! Não vão dizer o mesmo do Neymar, por exemplo. Não vão tocar na aparência dele, vão dizer que é pelo talento. Cristiano Ronaldo é a mesma coisa. Agora, se a Marta passa um batom, a repercussão é imensa. Vejo que isso é cultural”, explica.
As cobranças, por ser mulher, segundo ela, são percebidas desde muito antes de ela entrar em quadra. Em casa, por exemplo, precisou responder a comentários sobre as tarefas domésticas. “Moro com meu pai. Não que a minha família seja preconceituosa, mas já ouvi: ‘Ah, Marina, você tem que fazer o almoço para ele’. Não, eu não tenho (respondo). Ele tem que fazer, tem que participar. ‘Não lavou, Marina? Tem que lavar. Olha, se ele está vendo que está sujo, também pode limpar. Isso ainda vem da ideia de que o trabalho de casa precisa ser feito pela mulher. Mas o homem tem que cuidar da casa, deixar as coisas arrumadas. Não preciso fazer isso por ser mulher.”
Ela identifica em situações cotidianas questionamentos que não seriam endereçados aos homens que estivessem na mesma situação. Quando isso acontece, ela se posiciona e destaca que as aptidões de cada pessoa independem de seu gênero. “Trabalhei dirigindo. Já me disseram: ‘Nossa, como você dirige bem! porque você sabe… mulher, dirigir bem…’ Eu falo que assim como há homens que dirigem mal, há mulheres que dirigem bem.” Não deixar que essas situações passem sem uma resposta é a forma que ela tem de tornar visível o incômodo e ser um agente de mudança. “Não mudamos essa cultura de um dia para o outro, porque é algo enraizado, foi construído durante séculos. Temos que podar, não brigando, porque perdemos a nossa razão. Mas precisamos mostrar para os homens e para quem nos questiona, que podemos ser habilidosas, podemos dirigir bem, trabalhar bem e ser boas em qualquer coisa.”
Com a bola nos pés
O apoio do pai foi fundamental quando Marina se interessou pelo futebol. “Ele é educador físico, me levou para jogar na escolinha dele. Depois, quando eu decidi jogar bola, ele disse que era melhor eu estudar. Mas eu disse que queria jogar.” E assim fez. Saiu de Juiz de Fora em 2010 para participar da maior peneira de futebol feminino no Brasil. No Santos, que contava com Marta e Cristiane. Entre as 1.500 meninas que competiram pelas vagas, ela ficou entre as cinco selecionadas. A experiência abriu as portas para o futebol de alto nível, e ela entendeu que esse era um caminho possível.
“Não fiz a minha vida jogando bola, mas as experiências que eu tenho, a maturidade que eu conquistei, foi porque eu saí. Passei perrengue sozinha, saí de novo e ganhei coisas importantes. Hoje, meu pai fala que eu tenho que jogar porque eu gosto e vai me dar muitas oportunidades.” No Santos, Marina percebeu que o futebol de campo não era o que ela queria. Embora tenha participado de outra equipe nessa modalidade, ela não se adaptou. Precisou, então, sair novamente. Dessa vez, para o interior de São Paulo, em Pindamonhangaba, para jogar futsal.
“Todos os dias percebemos que os olhares lançados para nós são diferentes, por sermos mulheres. Viver em um meio que já é masculinizado e ser mulher é lutar contra o sistema. Já tive vezes de patrocinador perguntar se ele ia realmente patrocinar um time feminino, de ‘maria-homem’. Fomos questionadas se faríamos uniformes mais femininos, porque chamaria mais atenção. Essa parte é muito complicada, ter que engolir essas coisas porque é o nosso sonho, o que a gente quer.”
As atletas ainda são treinadas, em sua maioria, por homens, muitos deles, segundo Marina, não se preocupam em não reproduzir o machismo. “Quando postamos a foto com os nossos títulos, ninguém sabe a metade do que uma mulher passa para chegar até ali. Temos que nos sujeitar a muita coisa, para conquistar o que a gente sonha e para levar um legado a outras meninas.”
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Enfrentamento
Para driblar todos os machismos, o profissionalismo é a primeira característica a ser escalada. Mesmo sem receber para jogar, segundo Marina, é preciso jogar como se estivesse. “No nosso projeto Bom Pastor/ Buscapé, por exemplo, não estamos recebendo nem R$ 1, mas tem que parecer que estamos. Porque os olhares para nós são diferentes. Tem toda uma luta para ter campeonato feminino. Ele é sempre o primeiro que a galera pensa em tirar da organização. É o campeonato feminino, porque dá briga. Todas as categorias dão briga. Mas o enfatizado é o feminino”.
Para sobreviver e jogar futsal, ela conta que é preciso tirar recursos do próprio bolso, bancar os projetos, sempre mostrando que ações na área dão retorno. “Mas eu vejo também muito o amadorismo com o qual o futebol e o futsal feminino é encarado. Talvez, por culpa nossa também, mas não por ser mulher. O homem leva o esporte como trabalho. No alto nível feminino, senti muito isso. Por sermos tratadas como amadoras, achamos que aquilo é amador, que não é o nosso trabalho. Temos que mostrar muito mais profissionalismo que o homem. O esporte feminino, ele tem que se provar diariamente que é bom, porque se ele deixar de mostrar um dia o quanto ele é retornável, o quanto ele é bom, ele é descartado e jogado para escanteio.”