Professores, estudantes e técnico-administrativos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) votarão, entre terça (8) e quarta-feira (9), nos campi Governador Valadares e Juiz de Fora, em consulta eleitoral para o reitorado entre 2020 e 2024. Desde 2016 à frente da Administração Superior, o reitor Marcus Vinicius David e a vice-reitora Girlene Silva pleiteiam a reeleição em chapa única no processo. Entretanto, a consulta pública não é deliberativa. A recondução de David e Girlene à reitoria é incerta, uma vez que será definida, em última instância, pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). A consulta eleitoral somente apreciará a presença dos atuais reitores em lista tríplice a ser enviada pelo Conselho Superior (Consu) ao Ministério da Educação (MEC).
Embora a Lei 9.192/1995 garanta a nomeação de quaisquer reitores e vice-reitores integrantes da lista tríplice, a escolha do primeiro da lista era uma tradição mantida até o Governo Bolsonaro. Em entrevista exclusiva à Tribuna, Marcus Vinicius David e Girlene Silva expuseram suas projeções sobre a recondução à reitoria, bem como responderam aos questionamentos sobre a administração 2016-2020. Conforme David, o precedente da Universidade Federal Rio Grande do Norte (UFRN), em que a candidatura única fora acatada por Bolsonaro, é positivo. “A UFJF, diferente de casos em que ocorreram outras nomeações, está com uma característica de unidade muito grande. Há um reconhecimento da comunidade interna ao trabalho que foi realizado na primeira gestão. Apesar de ser uma campanha de chapa única, nos afastamos das nossas funções, fomos em todos os setores da universidade, então há uma avaliação muito positiva. O clima dentro da UFJF está muito pacificado. E, neste cenário, não estamos vendo o porquê de os nossos nomes não serem os indicados.”
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De acordo com David, os casos de nomeação de reitores pro tempores (temporários) em outras universidades ocorreram, no entendimento do MEC, por suspeita de vício técnico eleitoral. Perguntado se a candidatura única poderia vir a ser questionada pelo MEC, o reitor refutou a possibilidade. “A UFJF já teve (chapas únicas) em outros momentos, sempre como este. Nas duas outras vezes, foi justamente quando a chapa disputava a reeleição, o que era resultado de uma avaliação positiva da primeira gestão.” Para David, a unidade acadêmica é um sinal de maturidade política, “o que é estranho hoje ao Brasil”. “O cenário externo é difícil, como a situação orçamentária e a situação de agências de fomento com cortes de financiamento de pesquisa para pós-graduação – Capes, CNPq e Fapemig. Estamos em um cenário muito adverso e houve a compreensão de que, em uma situação como essa, os gestores que já enfrentaram a crise acumularam maior experiência, o que fez com que os grupos adversários entendessem que não deveriam apresentar candidaturas.”
Elaboração da lista tríplice
A lista tríplice foi pauta de reunião, nesta segunda-feira (7), no Consu. Até a próxima quinta (10), conforme a UFJF, uma resolução que normatiza a votação será publicada pela instituição. O documento está em fase final de elaboração, após ter sido apreciado pela Secretaria Geral da UFJF e pela Procuradoria-Geral Federal. Além disso, o Consu instalou uma comissão composta por representantes docentes, discentes e técnico-administrativos para conduzir o processo de organização da lista tríplice. A UFJF tem até 60 dias de antecedência ao fim do mandato para encaminhar ao Governo federal a lista, ou seja, até, aproximadamente, fevereiro de 2020. Questionado sobre os critérios utilizados para a escolha de reitores a partir das listas tríplices, o MEC não respondeu à Tribuna até o fechamento desta edição.
‘Se repetirmos o orçamento, conseguiremos conduzir 2020’
Conforme David, a recomposição orçamentária de R$ 14.013.064 à UFJF, anunciada em 30 de setembro pelo MEC, foi uma sinalização positiva. Entretanto, há ainda outros R$ 19.175.810 referentes ao orçamento ainda em vigência contingenciados pelo Governo federal. Questionado sobre as projeções para o exercício financeiro de 2020, o reitor apontou que “o cenário mais pessimista já não se confirmou”. “Em um cenário mais pessimista, isto é, de não liberar nada e manter o mesmo corte de 30% para 2020, a UFJF certamente teria que fazer ajustes em termos de bolsas e despesas terceirizadas. Este cenário já não está se confirmando. Começamos a ter uma liberação este ano e existe uma expectativa de que, no próximo ano, a situação fiscal do Brasil dê uma aliviada. Se repetirmos o mesmo orçamento para 2020, conseguiremos manter o padrão de funcionamento da UFJF.” Contudo, o candidato à recondução ao reitorado adverte para o comprometimento de determinados “programas nas áreas de internacionalização, inovação, pesquisa, pós-graduação e extensão, que são um salto de qualidade, fundamentais para a qualidade acadêmica da instituição”.
Em caso de nova recomposição orçamentária do MEC ainda neste ano, a preocupação da UFJF passa a ser o prazo máximo para executar os recursos em dotações orçamentárias de 2019. “Estamos tentando manter estratégias internas, como deixar tudo preparado e montar alguns planos de contingência para evitar qualquer perda (de recursos), caso haja liberação, para potencializá-los e aproveitá-los. Temos algumas estratégias a serem adotadas, para não perder os recursos que vamos usar”, explicou David. Questionado sobre a possibilidade de flexibilização do MEC em relação ao prazo, o reitor apontou que a extensão passa, também, pelo Ministério da Economia. “Há um prazo que é do próprio Ministério da Economia. São prazos que os ministérios têm que cumprir para conseguir fazer a legislação de fechamento de exercício. Há uma folga que o MEC teria para, talvez, dar um prazo um pouco maior para as universidades. (…) Acho que é possível uma flexibilização não muito grande.”
Programas ameaçados
Em caso de manutenção do contingenciamento de 30% do orçamento de custeio e capital da UFJF, conforme o reitor explicou à Tribuna em julho, a Administração, apesar de manter o funcionamento básico da instituição, suspenderia programas desenvolvidos para fechar o exercício financeiro de 2019. Para a vice-reitora, Girlene Silva, o momento é complexo, pois a UFJF precisa responder a necessidades emergenciais, como a inclusão social. “É um desafio que é novo para o conjunto das universidades, e elas vêm se preparando para responder à perspectiva da inclusão que possibilite a permanência dos nossos estudantes dentro da nossa instituição. Aí passa por diversos desafios, como melhorar as condições da biblioteca e a estrutura física da instituição para que o nosso aluno tenha acesso a algumas tecnologias que facilitem o seu trabalho, de ser incluído e de permanecer dentro da instituição.”
Future-se: ‘Ninguém sabe qual vai ser o projeto’
Na última terça-feira (1º), em portaria publicada no Diário Oficial da União – 1.701/2019 -, o MEC instalou uma comissão de juristas da Advocacia-Geral da União (AGU) para “discutir e consolidar as propostas apresentadas por meio da pré-consulta aberta à comunidade sobre o Future-se e elaborar proposição legislativa acerca do referido Programa, a ser encaminhada ao Congresso”. Entretanto, como o próprio dispositivo prevê, o documento a ser apresentado pela comissão “terá caráter contributivo e não vinculativo da decisão da autoridade administrativa”. Não se sabe, contudo, se o programa será enviado ao Congresso como projeto de lei ou medida provisória. Por meio do Conselho Superior (Consu), em setembro último, a UFJF rejeitou, por unanimidade, adesão ao Future-se.
Conforme o reitor Marcus Vinicius David, a rejeição ao Future-se foi deliberada dado o modelo de governança, vinculado às organizações sociais (OSs) – o que retiraria a autonomia e a liberdade de gestão das instituições federais de ensino – e ao modelo de financiamento, que, conforme David, não contempla uma série de áreas de pesquisa. “Quando a UFJF toma uma decisão como esta, acompanhada por todas as grandes universidades do Brasil, claramente sinaliza que existe algum problema no projeto. (…) A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as duas primeiras que o rejeitaram, são as duas maiores do Brasil, as que mais têm inovação, parceria e captação de recursos. Não é porque elas têm a alternativa, e, sim, porque a estrutura e o modelo do Future-se estavam equivocados conforme a nossa avaliação. A Andifes alertou ao MEC.”
Para Girlene, além da autonomia universitária, o Future-se desconsidera, também, a vocação universitária. “Há áreas em que a UFJF tem capacidade de captar (recursos para pesquisa). Já outras, não. É outro objeto (de pesquisa). Por isso, o financiamento público é fundamental. Acho que a população precisa entender que o projeto, da forma como foi apresentado, altera várias leis, inclusive o Sistema Único de Saúde (SUS). Acho que as universidades que analisaram o projeto, o fizeram respeitando o compromisso destas instituições com a melhoria das condições de vida do povo brasileiro. A sociedade precisa ter clareza disso. Agora, o que o Future-se vai virar depois da consulta pública?” David compartilha a mesma dúvida a respeito da proposta a ser enviada pelo MEC ao Congresso. “Ninguém sabe qual vai ser o projeto (…). Se o MEC aceitar a crítica de que o modelo de governança das OSs é equivocado e que a fonte única de financiamento através do fundo também é, a pasta mexe na estrutura do projeto. O ministério, então, vai mandar um outro projeto que não tem nada a ver com o original. Então, talvez, tenhamos esperanças. Agora, se tentar remendar aquele projeto com os mesmos dois eixos, não dá nem para discutir.”
Proposta paralela
De acordo com David, a discussão sobre o Future-se na Câmara dos Deputados e no Senado deve ser longa, uma vez que o Congresso “não está se mostrando disposto a aprovar temas tão complexos sem um profundo debate”. “Vamos comparar, por exemplo, com a Reforma da Previdência, que foi o principal projeto que o Governo enviou ao Congresso. Com toda a pressão e a urgência que a reforma tinha para ser votada, demorou, praticamente, um ano para ser discutido, debatido e analisado. Além disso, se as propostas do Ministério da Justiça estão próximas de completar um ano e não estão nem perto de ser votadas com profundas alterações, acho que uma proposta como o Future-se terá um trâmite muito longo, passando por todas as comissões. Estamos muito longe de saber qual será o produto final, quando e se ele for aprovado pela Câmara.” Ainda conforme o reitor, há, inclusive, um movimento paralelo no Legislativo para apresentar um distinto projeto. “O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM), já manifestou preocupação. Inclusive, ele já constituiu uma comissão composta por quatro ex-reitores de universidades federais justamente para estudar o modelo de universidades no Brasil e propor alternativas. Há então um movimento paralelo sendo feito no Congresso de também estabelecer um projeto.”