A provável passagem de Dom Pedro I por Juiz de Fora em 1822
Registros indicam que, antes do itinerário da Independência, o então príncipe-regente teria percorrido a província de Minas Gerais buscando apoio para a libertação de Portugal
O itinerário que culminou no simbólico grito de Dom Pedro às margens do Ipiranga em 1822 teve início em 14 de agosto daquele ano. Mas foi ao longo de meses anteriores que a Independência do Brasil, que completa seu bicentenário neste 7 de setembro, foi sendo arquitetada. À época, conforme resgata o historiador Roberto Dilly, a libertação do país do jugo de Portugal não era um anseio comungado por todas as províncias. “Alguns poderes locais ainda entendiam que deveriam ficar leais às forças portuguesas. Então, em 1822 Dom Pedro empreendeu várias viagens com o intuito de fazer uma convergência de pensamentos nas províncias para que todos pudessem comungar do mesmo pensamento de independência e liberdade do Brasil.”
Uma dessas excursões se deu pela província de Minas Gerais. Foi nessa empreitada que, acredita-se, Dom Pedro tenha passado pela primeira vez por onde hoje é Juiz de Fora. O livreiro Jean Menezes, presidente do Círculo Monárquico de Juiz de Fora, preserva em sua coleção particular um livro do historiador Eduardo Canabrava Barreiros. “Dom Pedro Jornada a Minas Gerais em 1822”, nas palavras de Pedro Calmon, historiador que assina o prefácio, é um livro que nos traz “a ‘outra’ incursão que mudou a face do país: a incrível Jornada a Minas Gerais”. Nele, é descrita a viagem de Dom Pedro desde a Bacia de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, até as “portas da velha capital da província de Minas Gerais, a famosa Vila Rica”, hoje, Ouro Preto.
No livro, há citações da passagem do então príncipe-regente pela Bacia do Paraibuna em 2 de maio de 1822. Na data, Dom Pedro teria jantado sobre a Ponte do Rio Paraibuna, onde teria brindado à Imperatriz Leopoldina e “à Eterna Independência do Brasil e à desejada união das províncias”. Após o jantar, teria ido ao “registro de Matias Barbosa, onde pernoitou”. No dia seguinte, os registros dão conta de sua passagem pela Fazenda São Mateus – localizada na atual Juiz de Fora -, onde Dom Pedro teria almoçado.
Outro registro
Já o pesquisador Vanderlei Tomaz, no artigo “Juiz de Fora no caminho da Independência”, destaca os registros do brigadeiro português Raimundo José da Cunha Matos, que teria passado pela região entre os dias 26 e 29 de abril de 1823, e percorrido o Caminho Novo da Estrada Real. Na então província de Minas, a estrada passava pelas atuais Simão Pereira, Matias Barbosa e Juiz de Fora, seguindo em direção a Barbacena.
Conforme cita Tomaz, Cunha Matos, em seu diário de viagem, fez referência à presença do Príncipe Regente Dom Pedro ali, em 29 de março de 1822. Segundo os registros do brigadeiro, o futuro Imperador teria colocado uma cruz de caniço em um monte na região da atual Cedofeita (em Matias Barbosa), num lugar que era conhecido como Cruz das Almas ou Morro dos Arrependidos. Dom Pedro e sua comitiva teriam passado pela Fazenda Ribeirão das Rosas e pernoitado na antiga Chapéu D’Uvas (a atual Paula Lima) no dia seguinte.
Roberto Dilly, no entanto, afirma ter conhecimento apenas de comprovações documentais sobre sua passagem em 1831, já como Imperador. “Ao contrário de Dom Pedro II, que tinha um diário particular, com Dom Pedro I a gente não encontra isso, então, há dificuldades para historiadores poderem comprovar determinadas coisas, mas a tradição oral traz essa passagem por aqui em 1922”, cita.
Liberdade de Minas
Na jornada por Minas nos meses que antecedem o dia da Independência, conforme Calmon, o príncipe decidiu ir pessoalmente “prender aos destinos da nacionalidade os impulsos autonomistas da província”. A entrada por Minas, portanto, do Paraibuna a Ouro Preto, na visão do historiador, foi “a vitória do princípio da independência na unidade nacional”.
“Se não contasse com os mineiros, possivelmente não contaria com os paulistas. Nem contaria consigo mesmo, porque a primeira consequência dessa cavalgata veloz pelas ‘alterosas montanhas’ foi o seu encontro com populações, para além do estreito horizonte da corte (…). Pela primeira vez, subiu aquelas serras, donde descera (oferecendo-se ao holocausto) o sonho de Tiradentes, a decisão da Liberdade”, cita.
“A gente tem que lembrar que Minas Gerais simbolicamente é a terra que proclama a liberdade, a partir de Tiradentes, o primeiro mártir da liberdade. E independência é a própria libertação de Portugal”, lembra Dilly. A influência da província de Minas na libertação de Portugal, desse modo, parece óbvia.
Pernoite na Fazenda Ribeirão das Rosas
Após a jornada a Minas em 1822, Dom Pedro I, já como Imperador, volta à província em janeiro de 1831 na busca de apoio local. Foi desta feita, diz Dilly, que o monarca teria escolhido pernoitar com a família na Fazenda Ribeirão das Rosas, em Juiz de Fora – a escolha pelo local, especula-se, talvez tenha sido devido às impressões que o local causou no Imperador durante sua passagem no local em 1822.
“Quando passam aqui, em 1830-1831, já existiam alguns povoados, por exemplo, São Francisco de Paula do Rio do Peixe, onde hoje é Torreões, já existia Santo Antônio do Juiz de Fora ou Santo Antônio da Boiada (hoje o Bairro Santo Antônio) e já existia, também, Nossa Senhora da Assunção do Engenho do Mato (hoje Paula Lima), mas ele não fica em nenhum desses distritos para se hospedar, provavelmente nenhum deles oferecia condições suficientes para um imperador.”
Embora o povoado de Juiz de Fora ainda não existisse à época, as terras da atual Juiz de Fora sempre foram uma região de passagem, conforme destaca o historiador. “Geograficamente, Juiz de Fora está e sempre esteve em uma região estratégica. À época entre Rio de Janeiro, São Paulo e Ouro Preto e, agora, entre Belo Horizonte. Inclusive isso fez com que a cidade se desenvolvesse. Embora os povoados daqui não tivessem importância política naquele momento, o imperador passou por aqui e decidiu pernoitar. Então, é um local que sempre foi visto como receptivo. Dom Pedro, quando passa aqui, involuntariamente, pernoita no município.”
O casarão
Tombada como patrimônio cultural de Juiz de Fora, a Fazenda Ribeirão das Rosas é segunda construção mais antiga da cidade. O imóvel foi construído no século XVIII, entre os bairros Barbosa Lage e Remonta, na Zona Norte, e foi erguido na sesmaria concedida pelo governador da Capitania de Minas Gerais a Manuel Vidal Lage. Atualmente, o casarão pertence ao Exército e aguarda por restauração.