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Cresce participação de adolescentes em crimes violentos em JF

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Para o major Jovanio Campos, a falta de estrutura familiar e de políticas públicas para fortalecer os fatores de proteção são decisivos para esse alto número de envolvimento de adolescentes (Foto: Leonardo Costa)
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Mais de 20% dos crimes violentos ocorridos em Juiz de Fora entre 2010 e os quatro primeiros meses deste ano têm como suspeitos, autores ou co-autores adolescentes entre 12 e 17 anos. Foram 1.187 registros que incluem homicídios, estupros, roubos, extorsões mediante sequestro, cárceres privados e sequestros. O dado da Polícia Militar traz ainda um outro fator preocupante: o mesmo grupo aparece como vítima em 12% das ocorrências deste tipo, um total de 2.102 casos (ver quadro).

Apesar de garotos e garotas não serem a maioria dos responsáveis pela criminalidade violenta no município, a participação desta faixa etária é preocupante no município. Os números descortinam ainda um viés grave. Conforme a PM, o que engrossa a estatística é a reincidência criminal dos suspeitos que acabam virando vítimas e vice-versa. Há casos de adolescentes que foram apreendidos duas vezes no mesmo dia por roubo. Outros foram levados para a delegacia quatro vezes no mesmo mês, até mesmo por envolvimento em homicídios, mesmo assim, retornam para as ruas e voltam a agir. Para a PM, a situação revela que há falhas graves no ciclo, principalmente, no que tange à falta de políticas publicas e à aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), demonstrando que adolescentes agem sem medo de serem punidos.

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Para especialistas da área de segurança pública, a situação apresentada pela Polícia Militar não é exclusividade de Juiz de Fora. Em todo o Brasil, nas capitais e cidades de médio porte, a participação da juventude na criminalidade se faz maior e denota um vácuo de políticas sociais de prevenção destinadas aos jovens. A escalada da participação deles nos crimes está evidente nos dados enviados pela PM com exclusividade à Tribuna. Em 2010, foram 83 casos, e, no ano passado, o número mais que dobrou, subindo para 206, o que corresponde a aumento de 148% (ver quadro). Durante este período, segundo o levantamento da corporação, o ano em que houve o maior índice de envolvimento de adolescentes na criminalidade violenta foi 2012, quando chegou a 30% dos casos com garotos e garotas autores, co-autores ou suspeitos.

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Tráfico

Além de aparecerem nas ocorrências mais graves, aquelas consideradas crimes violentos pela Polícia Militar, os adolescentes também figuram como praticantes de outros crimes. Entre 2015 e 2017, 3.115 rapazes e moças foram apreendidos em flagrante no município. A pedido da Tribuna, a Polícia Militar fez um levantamento que inclui todas as ocorrências em que os adolescentes foram apreendidos. São 71 tipificações, incluindo, crimes contra a vida, contra o patrimônio e crimes de trânsito. Em todos os três anos, a maior incidência foi o tráfico de drogas, 1.001 registros ao todo. Em seguida, aparecem os casos de roubo, lesão corporal, ameaça e o uso e consumo de drogas (ver quadro).

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Para o assessor organizacional da 4ª Região da Polícia Militar (4ª RPM), major Jovanio Campos, a falta de estrutura familiar e de políticas públicas para fortalecer os fatores de proteção são decisivos para esse alto número de envolvimento de adolescentes. A maioria dos que são apreendidos em Juiz de Fora estava praticando tráfico de drogas. “O envolvimento no tráfico começa muito cedo, quando eles ainda crianças conhecem os traficantes das comunidades onde vivem e passam a tê-los como referenciais. Eles se originam, na maioria das vezes, de lares corrompidos. Não têm o mínimo para viver e crescem seduzidos pelos criminosos. Entram no mercado ilegal e ganham dinheiro fácil. Não podemos denominá-los de traficantes, pois esses adolescentes não são os donos das drogas, na grande maioria dos casos, mas trabalham para os líderes do tráfico”, pontua o militar, que avalia: “A violência é grave, mas ainda mais grave é a falta de políticas públicas que direcionem estes meninos para o caminho correto. Essas ações precisam ser feitas, e com urgência. É preciso que se tenha acesso à saúde, à educação e ao saneamento básico, para que estes garotos se vejam com dignidade. A falta de toda esta estrutura é a maior afronta aos direitos humanos. Os números mostram que há uma falha grave que precisa muito ser revertida.”

Jovens apreendidos diversas vezes zombam de policiais

Em um ciclo que parece não ter fim, os militares prendem dezenas de vezes os mesmos infratores, que rapidamente retornam às ruas. Muitas vezes, os garotos zombam dos policiais, afirmando que sairão da delegacia antes deles. Um destes casos aconteceu no dia 7 de fevereiro deste ano. Um adolescente de 17 anos foi apreendido pela Polícia Militar ao ser flagrado com drogas, armas e munições, depois de ser abordado dirigindo sem habilitação pela Vila Alpina, região Leste de Juiz de Fora. Ele foi ouvido e liberado na delegacia de plantão, saindo da unidade antes mesmos dos policiais que o apreenderam.

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O comandante da 70ª Companhia da PM, capitão Reginaldo Teixeira, disse que o rapaz já teria sido apreendido outras vezes, mas, após ser liberado, volta às ruas, reincidindo na criminalidade. Conforme o capitão, o jovem atuaria como “guarda-roupas”, função na qual trabalha guardando drogas e armas para o responsável pelo tráfico. “Ainda durante o desenrolar desta ocorrência, os militares encontraram, em uma casa abandonada onde funciona uma boca de fumo, 138 papelotes de cocaína e uma bucha grande da mesma substância, dois revólveres calibre 38 e 28 munições de mesmo calibre. Ele (o adolescente) assumiu a propriedade de todo o material e foi apreendido em flagrante. O adolescente foi levado para a delegacia, ouvido e saiu antes dos policiais, debochando da guarnição. Imagine você, se estivesse na mesma situação, pego com arma, drogas, sem habilitação, e voltasse para a rua, também iria rir”, ponderou o capitão.

A mesma situação acontece em outras regiões da cidade. Só para se ter uma ideia, quatro adolescentes da região da Vila Esperança, Zona Norte, aparecem em 36 ocorrências, a maioria delas de roubos e disparo de arma de fogo. Um deles, A.C. (iniciais fictícias), que completou 18 anos no último mês de fevereiro, tem 16 passagens policiais entre março de 2015 e dezembro de 2017. Entre elas, estão a participação em dois homicídios e seis roubos (ver quadro). Um outro suspeito, M.R (iniciais fictícias), já soma dez passagens pela polícia e está com 17 anos (ver quadro). Ele foi apreendido em flagrante em nove das dez vezes por roubos. Em junho passado, chegou a ser detido duas vezes no mesmo dia depois de ter roubado.

Alvejado

Em 4 de março deste ano, um adolescente de 15 anos, que afirmou ter sido alvejado por um tiro disparado por policiais militares dias antes, foi apreendido depois de se envolver em ocorrência de tráfico de drogas, na Vila Ideal, Zona Sudeste. De acordo com a PM, o jovem é reincidente, e há outros seis registros dele relacionados com o ato infracional, sendo quatro em janeiro. Desta vez, ele foi pego após denúncia de populares sobre um esconderijo de entorpecentes na arquibancada de um campo de futebol abandonado entre o bairro e as Granjas Primavera.

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Matéria publicada na ocasião em que o adolescente foi baleado mostrou que ele é visto frequentemente na Vila Ideal, apesar de ser morador do Miguel Marinho, na Zona Norte. Quando foi alvejado, estava próximo a um bar de madrugada. O rapaz foi atingido de raspão no pé esquerdo, teria embarcado em um táxi e procurou atendimento no HPS. Questionado sobre o tiro, ele disse ter sido ferido por militares em patrulhamento ao tentar fugir de bicicleta. “A gente prende, a pessoa é solta, em seguida é presa de novo. Um garoto ser preso duas, três vezes em uma semana não é normal. Há um gasto de energia muito grande: primeiro corremos atrás para fazer a apreensão, depois de perder tempo e recursos várias vezes para um desfecho que já sabemos qual é: ele vai sair e voltar a cometer crimes. Muitas vezes, a viatura fica horas parada na delegacia até encerrar a ocorrência, e o suspeito vai embora até antes. Isso contribui para o aumento real da criminalidade nas áreas e mostra que alguma coisa não está funcionando e precisa ser revista”, destacou o capitão Reginaldo Teixeira.

No último dia 7, um jovem, de 20 anos, foi alvejado com quatro tiros, no Bairro Grajaú, na Zona Leste. Ele sofreu dois ferimentos na região torácica, um na barriga e um na região lombar, sendo socorrido em estado grave no HPS. Durante as buscas pelos suspeitos do crime, os policiais militares chegaram até um adolescente, 16, que foi apreendido. Conforme a PM, esse garoto tem envolvimento em, pelo menos, 20 ocorrências, dentre elas tráfico de drogas, furto e roubo. Ele foi localizado e apreendido, no Bairro Vitorino Braga. O segundo suspeito que estava com o adolescente, de 24 anos, também já foi identificado. O crime teria sido motivado quando a vítima da tentativa de homicídio teve seu celular subtraído em data anterior e, no dia do crime, foi tirar satisfação com os suspeitos sobre o sumiço do aparelho. O mais velho teria dito à vítima que não sabia o paradeiro do celular e ainda entregou seu próprio telefone a ela, dizendo que ela deveria ligar para o 190 a fim de resolver a questão. Todavia, a vítima não mais devolveu o aparelho, levando os dois suspeitos a efetuarem os disparos contra ela.

Vidas perdidas antes da maioridade

Depois que entram na criminalidade, os adolescentes costumam selar um destino cruel. Muitos perdem a vida antes da maioridade. Segundo levantamento da Tribuna, 52,5% das 137 mortes violentas em 2017 foram de jovens. Dezessete vítimas nem sequer tinham completado 18 anos. A porcentagem é a mesma do ano anterior, quando 81 dos 154 óbitos violentos foram de pessoas com até 25 anos, sendo 18 delas adolescentes. De acordo com dados da Polícia Militar, das 17.115 vítimas de crimes violentos entre 2010 e este ano, 12,28% são de adolescentes entre 12 e 17 anos, acumulando 2.102 casos. Os jovens entre 18 e 24 aparecem em seguida, representando a maioria das vítimas, 25,05%. É esta mesma parcela que corresponde à maior parte dos autores, apontados em 42% das ocorrências locais.

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“É uma geração de jovens com vida curta”, observou o delegado Rodrigo Rolli, em entrevista à Tribuna em janeiro. Segundo ele, a maioria dos suspeitos é da mesma faixa etária. “Pedimos o arquivamento de muitos inquéritos, tendo em vista que os autores foram assassinados em outros crimes. É uma demonstração de que a vida neste tipo de criminalidade é pequena. Quem mata hoje, morre amanhã”.

Um dos registros emblemáticos recentes é o do garoto de 13 anos que teve as mãos decepadas na Vila Olavo Costa, por conta de uma vingança relacionada a um duplo homicídio. A vítima teria dito aos policiais que a violência havia sido cometida como retaliação, uma vez que o suspeito acreditava que o garoto teria participação na morte de Elder Justino, 26, executado a tiros também na Rua Hortogamini dos Reis, no último dia 24. Elder foi encontrado em um bar, com marcas de oito tiros e seria parente do suspeito. Na mesma ocasião, foi assassinado Washington dos Reis, 38. “Quando vamos abordar, percebemos que a arma, a droga estão nas mãos dos menores de idade. Eles sabem que a legislação defende este grupo vulnerável. Porém, a ideia do Estatuto da Criança e do Adolescente é defender aquelas crianças e adolescentes que são comprometidos com seu papel na sociedade, não aqueles que têm seu papel distorcido. Enfrentamos adolescentes que não têm medo de morrer, não respeitam ninguém e que estão com arma nas mãos, prontos para matar. A solução não é deixá-los encarcerados, é repensar o que vem sendo feito. Não se pode tratar da mesma forma todos. Esta parcela violenta precisa ser tratada de maneira mais severa.”destacou major Jovanio.

É preciso reduzir o recrutamento de adolescentes pelo crime’

Com doutorado em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e atuando como secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais entre janeiro de 2003 a junho de 2007, Luis Flávio Sapori destaca que os dados da PM de Juiz de Fora ilustram uma situação existente em diversas cidades. Segundo ele, a participação de adolescentes em crimes violentos fica entre 10% e 20%, dependendo do município e do estado, o que evidencia a necessidade de ações públicas.

“Não há mais como negar que o adolescente é parte da autoria dos crimes violentos e numa proporção superior no que geralmente se diz e se acredita. Não é a maioria, não tem envolvimento na maior parte dos homicídios, dos assaltos, mas, por outro lado, não é um número insignificante. Temos que reconhecer que no Brasil há uma lacuna imperdoável de políticas sociais de prevenção à violência focadas na adolescência”, avalia Sapori. Ainda segundo ele, não dá para lidar com o problema apenas com a repressão ou reduzindo a maioridade penal, mantendo adolescentes acautelados por anos. “É fundamental no médio e longo prazos diminuir o recrutamento de adolescentes pelo crime e, para isso, é preciso prevenção social, participação social, organizações não governamentais, dinheiro público financiando projetos, mobilização em torno dos esportes, da cultura, da inserção no mercado de trabalho, na qualificação, na geração de renda. É preciso diminuir as chances de os adolescentes optarem pelo crime nas suas trajetórias de vida. Esse é o caminho mais adequado”, assevera.

Familiares pedem o acautelamento de infratores

Em alguns casos de apreensão de adolescentes acompanhados pela Tribuna tornou-se comum a manifestação de familiares a favor do acautelamento de seus filhos. Mães e pais desesperados, sem saberem o que fazer para afastá-los da criminalidade ou até mesmo para protegê-los, em casos que estão jurados de morte, clamam à Justiça para que sejam colocados em internação. Para Luis Flávio Sapori, essa situação também é comum em diversos municípios, revelando que, no Brasil, no que tange aos crimes de homicídio, os jovens pobres, geralmente negros e oriundos das periferias são a maioria das vítimas e dos autores. “Essa perversa realidade coloca o problema nas mãos de pais e mães, porque esse ciclo da morte e da inserção dos jovens no crime tem relação com o tráfico de drogas, seja como usuários contumazes ou parte dos mecanismos de venda. Muitos adolescentes ameaçados são os que estão devendo para traficantes. Nessa situação, o tráfico não perdoa.”

O especialista aponta que a melhor maneira de enfrentar o problema é por meio de programas de proteção. “Existe o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM). Em Juiz de Fora já era para estar funcionando.” O PPCAAM é do Governo federal e tem como objetivo proteger adolescentes expostos a grave ameaça, podendo ser estendido a jovens de até 21 anos, quando egressos do sistema socioeducativo, desenvolvido em conformidade familiar, não sendo vinculado à colaboração do protegido em inquérito ou processo criminal. Quando necessário, o programa inclui o núcleo familiar do ameaçado. A duração do programa é de até um ano, podendo ser prorrogada, e depende da voluntariedade do ameaçado.

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