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‘Nunca imaginei’, confessa marido de professora atingida por tiro na Marechal

matéria da sandra Daniel e Fabiana
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“A gente era simples. Só queríamos cumprir os combinados: criarmos nosso guri, sermos felizes e envelhecermos juntos, leves. Seria assim tão complicado?” A pergunta feita pelo professor de direito, Daniel Marchi, 40 anos, foi postada em rede social no dia 19 de dezembro, quase um mês após a morte da esposa Fabiana Filipino Coelho, 44, baleada no abdômen na manhã do dia 20 de novembro, quando fazia compras na Rua Marechal Deodoro, no Centro de Juiz de Fora. O tiro que atingiu a professora de matemática partiu da arma de um sargento reformado da Polícia Militar, 44. Ele disparou para tentar impedir a fuga de um adolescente, 16, que havia acabado de assaltar uma pedestre. Antes de atirar, o militar foi esfaqueado no braço pelo infrator. A docente, que lecionava no Instituto Estadual de Educação (Escola Normal), no Centro, e na Escola Municipal Clotilde Peixoto Hargreaves, no Linhares, chegou a ser socorrida, mas não resistiu e morreu na noite do mesmo dia. No lugar das aulas que ela daria, surgiram manifestações contra a violência.

“Nos altos e baixos do cotidiano, alterno entre tranquilidade do coração, pelo rastro de bem e de amor deixado pela Fabiana, e um enorme vazio”, desabafa o esposo (Foto: Arquivo pessoal)

Para o marido, não houve resposta ao questionamento, ilustrado por um bela foto da mulher com o filho nos braços sob uma bougainvíllea florida. Mas também não houve silêncio. Amigos e parentes do casal compartilham a dor da perda tão brutal e repentina de Fabiana, sepultada no dia do aniversário de 5 anos do seu menino. O caso foi uma das mortes violentas de 2019 que mais ganhou repercussão pela forma trágica como aconteceu, obrigando uma mãe a partir precocemente, deixando um enorme vazio, só preenchido com amor e saudade.

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Daniel tenta reconstruir sua rotina sem a presença física da mulher, com quem conviveu por 14 anos, tendo a certeza de que ela sempre estará por perto. Nesta entrevista concedida à Tribuna, o professor universitário, que trabalha no Rio de Janeiro, fala da violência ocorrida onde menos esperava e conta como foram – e estão sendo – os momentos mais difíceis da sua vida, “que nunca mais será a mesma”.

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Tribuna- A violência chegou na sua família de uma maneira muito cruel e inesperada. Tinha algum receio dessa violência urbana ou tomava determinados cuidados?
Daniel – Nunca imaginei a possibilidade de isso ocorrer em Juiz de Fora. Ao contrário, Fabiana é que se preocupava comigo por eu trabalhar no Rio de Janeiro, onde já passei por assalto com roubo a carro. Sou professor universitário, normalmente fico no Rio de terça a sexta-feira. Trabalho nos períodos da manhã e da noite, e sempre nos comunicávamos quando eu chegava à casa do Rio, principalmente após o trabalho da noite. Estar em Juiz de Fora era uma tranquilidade, especialmente porque aqui o hábito de sair à noite e mesmo andar pelo Centro é mais sossegado que no Rio. Quando ia lá, Fabiana gostava de fazer compras no Saara (Centro do Rio, com lojas populares), Mercadão de Madureira, Largo do Machado e Catete (onde ela gostava de ver tecidos e materiais de costura), e minha mãe punha-se preocupada com os perigos que ela corria no Rio. No entanto, ela veio a passar por essa tragédia bem no Centro de Juiz de Fora, num local onde transitava quase todo dia vindo da Escola Normal.

– Como foi receber a notícia de que sua esposa havia sido baleada enquanto fazia compras para o aniversário do filho? E como é pensar sobre isso hoje?
– Na quarta-feira, dia 20 de novembro, foi feriado no Rio, dia da Consciência Negra, e eu não trabalharia. Assim, de terça pra quarta aproveitei para adiantar todas as minhas provas, até o final do ano letivo, trabalho que havia sido atrapalhado nos dias anteriores por conta de uma fortíssima gripe. Acabou que fui dormir já bem de madrugada e, com o cansaço acumulado, fui acordado pelo celular tocando às 11h38. Vi que era ela mas, quando atendi, era a socorrista da ambulância me dando a notícia. Não falei com ela na hora, mas fiz contato com a prima dela aqui em Juiz de Fora, que logo se pôs à ação, e saí do Rio em direção a JF imediatamente. Cheguei aqui em menos de duas horas e meia e fui direto para o Albert Sabin, onde tomei ciência da gravidade da situação e já comecei a pensar no pior. Mas, a bem da verdade, as compras que ela fazia não eram para o aniversário do nosso menino. Os itens da festa já haviam sido todos praticamente adquiridos no Rio de Janeiro. Ela havia feito compras por conta do curso de costura criativa, e como vinha dando muito certo (ela era dotada de grande habilidade), resolveu, por distração, começar a fazer algumas coisas para amigas e colegas. Bolsas, porta-objetos, carteiras etc. Tinha várias encomendas, e as compras que fazia eram por isso. Penso nisso hoje da mesma forma que pensei no dia – com muita tristeza. Minha vida nunca mais será a mesma coisa. Primeiro, pela responsabilidade com nosso filho, que fez 5 anos no dia 21 de novembro. Segundo, pelo desaparecimento da esposa, com quem partilhei 14 anos intensos de vida, sem a menor discussão, sem a menor discordância. Não perdemos tempo com coisas menores em nossa relação. Não houve remorsos, não houve necessidade de perdão porque nada fizemos de mal um ao outro. Proporcionamos um ao outro a maior felicidade que pudemos. Nas ideias, no apreço pela família, nos gostos em comum, em tudo combinávamos.

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“Insisto que a justiça seja buscada em sua essência, dado que todo ato humano implica em responsabilidade. Mas que esta não se confunda com ódio ou vingança, sentimentos que em nada combinam com Fabiana”, diz Daniel (Foto: Reprodução/Facebook)

– Além da imensurável dor pela ausência da Fabiana na vida de vocês e da preocupação enorme sobre como lidar com essa situação com um filho ainda tão pequeno, o que mudou no seu modo de ver a vida?
– Difícil responder a esta questão. Diria que, nos altos e baixos do cotidiano, alterno entre tranquilidade do coração, pelo rastro de bem e de amor deixado pela Fabiana, e um enorme vazio. Até mesmo uma crise de fé (com o que ela, absolutamente, não concordaria. Ela mantinha fé inabalável em qualquer circunstância). Aspectos importantes da minha vida não foram recuperados. Não ouvi mais música, por exemplo, porque me entristece muito. Abandonei a poesia (nada mais escrevi nem fui nos saraus cuja maioria frequentava com ela, que costumava ler para o público os meus poemas). Logo em seguida, começaram as férias, e até agora não dei conta de definir como será a nossa rotina, minha e do meu menino, em 2020.

– Como você e sua família explicaram a ausência da Fabiana ao filho de vocês?
– Depois do sepultamento, no dia em que ele completou 5 anos, eu fui pro Rio de Janeiro com ele e fiquei na casa dos meus pais. Tive o apoio de uma grande amiga médica pediatra, que também perdeu a mãe muito cedo, e de uma psicóloga amiga de minha irmã. Até aquele momento, ele pensava que Fabiana se encontrava doente e internada. Aí fomos perguntando o que ele sabia. Diante das respostas dele fomos explicando que a doença dela, decorrente de um acidente, havia se agravado muito, e que ela não conseguiria mais ficar entre nós e, pra ela não sofrer, Jesus a tinha levado pro céu, e ela agora estava nos protegendo lá de cima. Não sei como será o processo de luto dele, nem de aceitação em termos de futuro, mas ele tem recebido apoio de toda a família e de profissional também. Entende perfeitamente a definitividade da situação, às vezes fica saudoso e tristinho, e costuma falar dela quando está a sós comigo. A festa dele de 5 anos, que seria dia 30, foi cancelada, mas ele tem insistido para “fazer o aniversário do Halloween”. Pra ele, ainda tem 4 anos. Acho que, nesta idade, as crianças lidam com a morte bem melhor que nós. Faz falta? É óbvio – ele sempre foi muito apegado a nós dois. Mas, temos de seguir em frente com essa ausência física. Tenho certeza absoluta que Fabiana está tão intensamente dentro dele quanto está dentro de mim. Levei praticamente um mês pra voltar à nossa casa aqui de Juiz de Fora. Passamos algumas noites lá desde a semana passada, só ele e eu, e nos saímos muito bem. Mas temos ficado mais na minha sogra, pois a presença dele faz bem pra ela.

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– Em um momento em que o próprio Estado defende o uso de armas de fogo, acredita que esse incentivo possa ter contribuído para a decisão de quem sacou e disparou uma arma em local movimentado?
– Fabiana sempre foi pacifista, dessas que repudiam a violência em qualquer circunstância. Inclusive a propagada oficialmente pelo Estado. Quanto ao causador dessa tragédia, se for um homem de bem, carregará isso pelo resto da vida. Afinal, não tirou apenas a vida da Fabiana, mas impactou a de todos que sobrevivemos. Causou uma lacuna impossível de superar na minha vida e na de nosso menino, na de minha sogra, na quase centenária avó da Fabiana, seu irmão, cunhada, sobrinhas, sogros, tios, primos e amigos. Enfim, é um sofrimento que atingiu um grande número de pessoas para quem Fabiana era (e é) essencial. Creia, não estou exagerando em falar isso, se você a conhecesse veria a dimensão do que ela era para muita gente.

– Deseja comentar as investigações ou dizer o que espera da Justiça?
– Acredito firmemente na seriedade do delegado à frente do inquérito. O resultado de tudo isso veremos no futuro. Mas a todos que me perguntam, insisto no seguinte: que a justiça seja buscada em sua essência, dado que todo ato humano implica em responsabilidade. Mas que esta não se confunda com ódio ou vingança, sentimentos que em nada combinam com Fabiana.

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