‘É direito nosso usar a via’
Cansados do discurso de que não há como usar bicicletas com segurança nas ruas de Juiz de Fora, ciclistas defendem que também é direito deles circular e, para isso, vários grupos têm se mobilizado. Entre as ações mais recentes está a de mapear a cidade, para orientar os usuários onde estão os pontos mais confiáveis e aqueles que apresentam riscos. Os trechos são sinalizados nas cores azul, para as vias mais utilizadas, e vermelho para aquelas que os ciclistas desejam usar, mas não são estimulados devido às condições de perigo, morros ou precariedade da iluminação. Há casos em que os traçados coincidem, como as avenidas Brasil, Itamar Franco, Rio Branco e Presidente Costa e Silva, que têm intenso fluxo de veículos. “O ciclista tem que se impor. É um direito nosso usar a via, não pode haver um retrocesso. Deixar de vir para a rua com bicicleta só irá incentivar o uso de carro”, defende a ciclista e administradora Francine Lisandra Cláudio da Silva, 38 anos, integrante do grupo Mobilicidade JF.
A fim de garantir a circulação mais segura aos ciclistas, os voluntários do Mobilicidade JF têm se empenhado em ações para a formulação de políticas de mobilidade urbana. Além da oficina de ciclorrotas para traçar quais os trajetos mais percorridos pelos modais, o grupo tem realizado a contagem do número de ciclistas que transitam por quatro pontos da cidade – três na Avenida Rio Branco e um no Bairro Benfica, Zona Norte.
Durante a oficina, o traçado das rotas foi feito de forma conjunta pelos ciclistas que utilizam ou desejam usar a bicicleta, principalmente como meio de transporte. Ali, demonstraram linha a linha quais são aquelas por onde passam frequentemente e também aquelas por onde desejariam passar.
As pistas mais destacadas no traçado vermelho são as ruas Halfeld, Santo Antônio, Floriano Peixoto e Batista de Oliveira, além das mesmas avenidas que possuem fluxo intenso. “O mapa de ciclorrotas consegue sinalizar com poucos recursos, usando apenas placas e tinta. E isso a Prefeitura dispõe. Dessa forma, a gente consegue contribuir para melhorar as condições de ciclabilidade nas vias”, explica Guilherme Mendes, coordenador do Mobilicidade JF. Além do grupo, participaram da oficina integrantes dos movimentos Bike Anjo, da União dos Ciclistas do Brasil (UCB) e da ONG Transporte Ativo, do Rio de Janeiro. A previsão é de que, em meados de maio, o projeto seja entregue à Settra.
Recuperar o atraso
De acordo com o titular da Settra, Rodrigo Tortoriello, a ideia é avaliar o mapa de rotas para a elaboração conjunta de estratégias para que a bicicleta seja implantada como meio de transporte. “Estamos inserindo a discussão no dia a dia da pasta. Infelizmente não há uma cultura do uso da bicicleta como meio de transporte. Com base no diálogo, vamos recuperar o atraso da falta de debate. Os dados e projetos que estamos recebendo podem ser utilizados a fim de desenvolver uma pesquisa mais aprofundada e oferecer opções viáveis.”
O analista de sistemas e ciclista Kico Zaninetti, 32, diz que não seria preciso construir ciclovias se houvesse uma população mais consciente: “Como não há esse respeito, a estrutura cicloviária é importante. Esperamos que, dentro da disponibilidade, a Prefeitura possa nos atender.”
Para o coordenador do movimento Guilherme Mendes, a questão do espaço nas vias passa por uma conscientização para além da prioridade do automóvel. “Tudo é resultado da educação e do respeito. As vias de Juiz de Fora têm espaço para ambos os veículos, mas ele é mal aproveitado. Pensamos na cidade para os seres humanos, mas infelizmente, no Brasil, existe essa hegemonia de pensamento das ruas feitas para os carros.”
Enquanto falta conscientização, pessoas que utilizam a bicicleta como meio de transporte acabam sofrendo graves consequências, como o pedreiro Mário Lúcio de Souza, 57: “Trabalho em obras e uso sempre a bicicleta quando não tenho vale-transporte. A gente vê alguns perigos, inclusive já me acidentei duas vezes. Numa delas, na Rua Dom Silvério (Alto dos Passos), um Fusca atravessou na minha frente, e eu fui lançado por cima do carro. Só acordei no HPS. Na época, quebrei braço e clavícula”, conta.
Conscientização deve vir dos dois lados
Questões de segurança devem ser adotadas tanto por ciclistas quanto motoristas na utilização das vias. A administradora Francine Lisandra Cláudio da Silva, 38, reforça a atenção que ambos devem ter. “Não só os motoristas, mas os ciclistas. O respeito tem que ser recíproco. Parar no sinal, parar para o pedestre passar, sinalizar antes de entrar num cruzamento, se vai passar direto ou fazer um retorno. A falta de segurança acaba impedindo que o uso da bicicleta seja maior.”
Mas nem sempre os ciclistas respeitam as leis de trânsito. Casos de imprudência por parte deles também são relatados. Uma motorista, de 45 anos, viveu momentos de tensão quando um ciclista atingiu a lateral de seu veículo, enquanto transitava por uma rotatória da Avenida Olegário Maciel, no Paineiras. “Ele veio pela faixa central da pista e, enquanto eu contornava a rotatória, ele bateu de cabeça na porta traseira do meu carro. Eu parei para prestar o socorro, mas ele se levantou, pegou a bicicleta e foi embora com sangramento na testa.” A motorista teve que arcar com o prejuízo, pagando R$ 300 pelo conserto da porta.
O subcomandante do Pelotão de Trânsito da 4ª Cia de Missões Especiais, subtenente Sérgio Esteves, afirma que não há estatística do número de ciclistas atropelados e acidentes envolvendo modais no município, uma vez que estes são classificados como colisão, assim como acidentes envolvendo veículos motorizados. No entanto, ele diz que a maioria dos acidentes envolvendo ciclistas ocorre por imprudência. “O CTB exige que a bicicleta tenha equipamentos obrigatórios como o retrovisor, olho de gato e que eles transitem na mão correta. Quando ocorre acidente, é porque essas regras são desobedecidas. Muitos acidentes ocorrem por desrespeito ao semáforo ou quando o ciclista anda na contramão da direção”, explica.
Ações
Diante da demanda por valorização das bicicletas como meios de transporte urbano, a Settra estuda a instalação de ciclofaixas temporárias. No ano passado, surgiu a proposta de fechar uma faixa da Avenida Rio Branco aos domingos de manhã, o que chegou a ser experimentado. “Infelizmente, fechar a Rio Branco toda para uma ciclofaixa não tem jeito. Mesmo aos domingos, há congestionamentos, as pessoas têm saído mais de carro. Estamos pensando em consolidar a Avenida Brasil, mas falta algum trecho que a ligue até a Zona Sul. Ainda há projetos de outro local, mas que ainda está em fase de verificação”, diz o titular da Settra, Rodrigo Tortoriello. Um dos pontos que receberá uma ciclofaixa é a Via São Pedro, nas noites de quarta-feira, a fim de atender os atletas em treinamento.
Projetos de lei se arrastam na Câmara
O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece regras para os ciclistas na utilização das vias (ver quadro). Normas de condutas, sinalização e segurança são descritas nos artigos, inclusive com multas para infrações por desrespeito ao ciclistas. Em Juiz de Fora, estão em tramitação na Câmara Municipal projetos de lei que contemplam os ciclistas. Alguns se arrastam há anos, enquanto outros dependem apenas de sanção do Executivo. Entre eles estão a proposta de implantação de uma ciclorrota com indicação de sinalização na Avenida Rio Branco, a proteção de ciclistas e esportistas na BR-440, na Cidade Alta, a criação do Dia do Ciclista, o alargamento de passeios da Avenida Brasil e a instalação de suportes para bicicletas em ônibus urbanos.
Um dos dispositivos que norteia as ações direcionadas aos ciclistas é o Plano Diretor Cicloviário do Município, sancionado em 2012. Ele traça diretrizes para estimular o uso da bicicleta, como a implantação de ciclovias e ciclofaixas. De acordo com o secretário Rodrigo Tortoriello, a construção de faixas preferenciais depende de análises aprofundadas. “A destinação de espaço para ciclovias ou ciclofaixas é uma questão mais complexa. É preciso averiguar, por exemplo, se a via possui o dimensionamento adequado e o volume de ciclistas que utiliza. O Plano Cicloviário é uma lei muito genérica, que dá diretrizes básicas, não há nada que esteja fora das metodologias de implantação de estrutura cicloviária”, garante.