Embora seja comum encontrar, até mesmo em áreas mais urbanizadas, psitacídeos, uma parte desse grupo de aves, que inclui espécies de papagaios e maritacas, está ameaçada de extinção por tráfico e pela perda de habitat. Para evitar que isso aconteça, um projeto desenvolvido na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) busca avaliar a adaptação desses animais na natureza após a soltura, contribuindo para o reforço populacional de espécies como papagaio-do-peito-roxo, papagaio-verdadeiro, papagaio-chauá, maritacas, maitacas e maracanãs no município de Santana do Deserto, localizado a cerca de 48 quilômetros de Juiz de Fora.
Até o momento, o projeto já avaliou o comportamento de 68 aves dessas seis espécies citadas acima. Esses animais foram apreendidos em ações de fiscalização, resgatados ou entregues de forma voluntária aos Centros de Triagem de Animais Silvestres (CETAS) e, após passarem por um processo de triagem e reabilitação, são encaminhados para a soltura, onde ganham uma nova chance de viverem livres na natureza.
“A soltura de animais silvestres é uma estratégia de conservação que já é aplicada no Brasil pelos órgãos de triagem de fauna e acontece independente se há algum projeto envolvido. O que nós fizemos foi aliar a soltura de um grupo de animais, que já iriam ser soltos, com o objetivo da nossa pesquisa”, explica Gustavo Nunes, um dos pesquisadores envolvidos no projeto.
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O trabalho é realizado por meio de financiamento do programa Bolsas FUNBIO – Conservando o Futuro e apoiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente. Além de Gustavo, as mestrandas Larissa Gomes de Jesus e Maria Eduarda Caçador Branco e a doutora Gabriela de Araújo Porto Ramos contribuem nas atividades de campo do projeto. De acordo com ele, o projeto busca avaliar a relação dos perfis de comportamentos de psitacídeos soltos com a sua adaptação na natureza para conseguir entender melhor se animais com algum tipo de comportamento sobrevivem por mais tempo, ou se dispersam mais rápido, ou encontram novos itens alimentares com mais facilidade, por exemplo.
“Levar esses animais de volta para seu espaço natural é importante, pois eles evoluíram para viver ali, então é o local onde eles conseguem expressar todos os seus comportamentos naturais, onde vão conseguir voar, socializar, reproduzir, procurar por alimento… Coisas que eles não conseguem fazer em cativeiro. Um psitacídeo de vida livre, por exemplo, passa horas do seu dia procurando por alimento e voando. Por outro lado, em cativeiro, ele não consegue realizar nenhuma dessas atividades. Na natureza, eles vão estar com um bom bem-estar, além de continuarem cumprindo seus papéis ecológicos como dispersores de sementes”, ressalta o pesquisador.
‘Costume’ de criar aves em casa colabora para redução das espécies
Gustavo é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Conservação da Natureza da UFJF e sua pesquisa, sob orientação da professora doutora Aline Cristina Sant’Anna, é focada em duas espécies: maitaca-verde (Pionus maximiliani) e maracanã (Primolius maracana). O pesquisador explica que, apesar dessas espécies não correrem o risco de extinção atualmente, apresentam tendência para o declínio populacional. Segundo ele, o tráfico é um dos principais fatores que colaboram para a redução dos psitacídeos e o fato deles atraírem a atenção pelo carisma, cores e capacidade de reproduzir a voz humana contribui para esse comércio ilegal. É recorrente encontrar pessoas que criam essas aves em casa, embora seja uma prática ilegal prevista na Lei de Crime Ambientais, exceto nos casos em que há autorização do Ibama.
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No mês passado, 14 pessoas foram presas pela Polícia Civil durante uma operação contra tráfico de animais silvestres em Três Rios (RJ) e Levy Gasparian (RJ), cidades vizinhas de Santana do Deserto. No total, 18 mandados de busca e apreensão foram cumpridos, resultando no resgate de 300 pássaros. As aves foram encontradas em gaiolas, caixas de papelão e algumas no porta-malas de carros.
“O tráfico é extremamente prejudicial para esses animais tanto em nível individual quanto em nível global. A maioria dos animais traficados são pegos na natureza, muitas vezes filhotes que são retirados de seus ninhos, e colocados em espaços apertados para serem transportados, processo pelo qual muitos acabam morrendo. Os que sobrevivem e que são adquiridos por alguém, na maioria das vezes, também continuam sendo mantidos em gaiolas e recebendo alimentação inadequada, contribuindo para o estresse contínuo e prejudicando a saúde e o bem-estar do animal. Em nível populacional, o tráfico pode levar uma espécie à extinção, como foi o caso da ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) que chegou a ser extinta na natureza e teve o tráfico como uma das principais causas”, afirma Gustavo.
Saiba o que fazer ao se deparar com esses animais
Com a soltura, as aves tendem a ficar por um tempo na redondeza e a adaptação pode ser um pouco mais demorada, já que muitos foram criados em cativeiro e tiveram contato próximo com pessoas. Por isso, Gustavo faz um alerta aos moradores de Santana do Deserto para saber o que fazer ao se deparar com uma dessas espécies. Confira algumas orientações abaixo:
- Não oferecer alimento para os animais, nem mesmo frutas. É importante saber que eles conseguem encontrar alimento abundante na natureza e não precisam de ajuda para se alimentar. Eles se alimentam de uma variedade enorme de frutos, flores, folhas, néctar e sementes e, por isso, não correm risco nenhum de passar fome.
- Não interagir com os animais, seja por toque ou conversando. Por mais curiosos que eles sejam, é importante manter a distância para não fortalecer mais o vínculo humano-animal, que ele possa ter tido em algum momento de sua vida. Como esses animais estão na natureza agora, existe também o risco de transmissão de doenças, portanto, caso algum deles insista em se aproximar, basta espantá-lo e ignorá-lo, pois uma hora ele vai perder o interesse em você.
“Existem sim muitos registros de pessoas alimentando inadequadamente animais que foram soltos, pessoas mantendo contato próximo com eles e, infelizmente, já houve também registro de agressão com um outro animal, que entrou na casa de um morador. É importante entendermos que, para esses animais que estão sendo soltos, pode ser um pouco mais difícil conseguirem se adaptar à natureza. Então, talvez, a princípio, eles insistam em procurar alimento em lugares com pessoas mas, caso isso aconteça, basta ter um pouco de paciência e seguir as instruções acima, que, em algum momento, o animal vai seguir com a vida dele”, finaliza.