No Brasil, pouco se sabe sobre as potencialidades da Cannabis. A desinformação e a atual legislação são fatores que dificultam as pesquisas sobre a planta, que pode ser responsável pela fabricação de mais de 25 mil produtos, como medicamentos, cosméticos, tecidos e material para construção civil. Mas a expectativa da comunidade científica é de que essa realidade mude com a criação do primeiro banco genético de Cannabis sativa da América Latina. O projeto é da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e aguarda autorização da Justiça federal para dar início ao cultivo de 5 mil plantas.
O objetivo do projeto é desenvolver um tipo de coleção de diferentes variedades da Cannabis sativa para estudar, preservar e entender a finalidade e adaptação de cada uma. O agrônomo e professor de recursos genéticos vegetais da UFV, Derly José Henriques, é o coordenador da iniciativa e explica que grande parte das variedades que são usadas para Cannabis medicinal hoje, por exemplo, tem sensibilidade ao período luminoso (fotoperíodo) e precisam de suplementação de luz para que possam crescer em solo brasileiro. Com estudos sobre a planta, esse obstáculo pode ser solucionado.
“O mesmo aconteceu com a soja. No passado, quando a planta entrou no Brasil, ela só era plantada em Uruguaiana, no extremo Sul do país, e hoje ela é cultivada de Norte a Sul porque nós vencemos essa questão do fotoperíodo. Isso também pode ser possível com a Cannabis, mas para isso precisamos estudar”, afirma Derly.
Segundo o pesquisador, um primeiro projeto com o cultivo de cem plantas já havia sido aprovado anteriormente e foi concluído com a caracterização de quatro variantes da planta. O próximo passo é aumentar o conhecimento, avaliando toda a genética, com o plantio de 5 mil plantas, em parceria com laboratórios especializados. Ao sair do papel, a iniciativa faz com que a UFV se torne um grande núcleo gerador de informações confiáveis de Cannabis para o Brasil. Essa etapa aguarda o aval da Justiça federal para ter início.
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Tabus dificultam avanço dos estudos
Desde 1938, com a Lei Antidrogas, o cultivo da Cannabis no Brasil é proibido até mesmo para fins de pesquisa. Há alguns anos, as discussões sobre o tema têm aumentado no Judiciário e no Legislativo, e a expectativa dos pesquisadores é de que ocorra avanço no estudo da planta no país para que o atraso em relação a outras nações diminua. Para o agrônomo, o fato de a legislação não permitir o cultivo para estudo impede as definições a respeito do que é e do que não é seguro em relação à Cannabis.
O tabu e a desinformação a respeito do assunto, muito associado ao uso recreativo da maconha, dificulta a produção de soluções para diversas demandas sociais a partir da planta, e as pesquisas servem justamente para esclarecer esses mitos e verdades. “Hoje no Brasil nós temos uma estrutura de pesquisa extremamente boa, mas que é coibida, por questão de lei, de fazer estudos necessários à sociedade. Nós temos que lutar contra o desconhecimento. Nós precisamos conhecer a planta, o seu potencial, entender quão bem essa planta faz. (Com) Qualquer planta ou animal vamos ter problemas, isso é natural, mas temos que estar cientes enquanto sociedade para saber como utilizá-la da melhor forma”, ressalta o professor.
Benefícios da Cannabis à saúde e ao desenvolvimento social
Com origem no Himalaia, uma região alta, de baixas temperaturas e com um fotoperíodo muito longo, a Cannabis sativa se espalhou pelo mundo inicialmente como fonte de fibra e, mais tarde, com efeito medicinal. Em relação aos benefícios da Cannabis à saúde, o professor explica que já foram descritas 25 moléculas da planta com potencial terapêutico, que ajudam na redução da dor e no estímulo do sistema imunológico para que o ser humano fique mais resistente a doenças. Além da semente da planta ser rica em proteínas.
No entanto, o uso industrial da planta pode contribuir para o desenvolvimento de diversos setores, como o da perfumaria e cosméticos, através da criação de hidratantes e protetor solar, por exemplo. Atualmente, mais de 25 mil produtos são reconhecidos a partir da Cannabis. “A planta tem um alcance econômico e social, não tenha dúvida. No social, é possível produzir fibras, tecidos, coberturas de bancos e até mesmo tijolos extremamente leves e mais resistentes que o aço, com isolamento termoacústico, que podem ser usados para construir casas populares para melhorar a qualidade de vida da população”, aponta Derly.