Roberto Carlos, aos 82 anos, é uma das figuras mais icônicas da música brasileira. Conhecido pelo seu talento inquestionável e pelo seu jeito reservado, o cantor raramente fala sobre aspectos de sua vida pessoal.
No entanto, um dos maiores mistérios e traumas que ele carregou por toda a vida é o acidente que sofreu aos seis anos, quando perdeu parte de sua perna direita. Esse episódio trágico, ocorrido em 1947, é um capítulo sombrio da infância de Roberto, mas também foi fonte de inspiração para algumas de suas canções mais emocionantes.
O acidente
O evento ocorreu em 29 de junho de 1947, em Cachoeiro de Itapemirim, cidade natal de Roberto Carlos, no Espírito Santo. Naquele dia, as festividades de São Pedro estavam a todo vapor, e o pequeno Roberto, que ainda era conhecido como Zunga, estava com a amiga Eunice Solino, a Fifinha, observando as comemorações.
Eles se aproximaram de uma linha de trem, onde uma locomotiva a vapor estava se aproximando rapidamente, transportando minério de ferro. Uma professora que estava por perto percebeu o perigo e tentou alertar as crianças.
No entanto, ao tentar chamar a atenção de Roberto, ela o assustou, o que fez com que ele tropeçasse e caísse na linha de trem. O maquinista não conseguiu parar a locomotiva a tempo, e o trem passou sobre a perna direita do menino. Eunice, que estava ao lado de Roberto, conseguiu se salvar, mas ele foi esmagado pela máquina. A professora gritou desesperadamente para o maquinista parar, mas o trem não conseguiu frear a tempo.
A corrida contra o tempo
Após o acidente, o caos se instalou. Alguns presentes tentaram levantar a locomotiva com um macaco, enquanto outros retiravam Roberto dos trilhos. Foi então que um jovem chamado Renato Spíndola e Castro se destacou. Ele agiu rapidamente, fez um torniquete com seu paletó de linho e, sem perder tempo, levou Roberto Carlos ao hospital em seu carro. O “sangue no linho branco”, citado na música “O Divã”, faz referência a esse momento.
Roberto Carlos foi atendido pelo médico Romildo Gonçalves, que relembrou, em uma entrevista ao jornalista Ivan Finotti, que o menino não demonstrava nenhuma dor. De fato, o trem havia destruído os nervos da região, o que impediu que Roberto sentisse qualquer sensação de dor.
O pequeno Roberto, de maneira impressionante, estava mais preocupado com seu novo sapato do que com a gravidade do acidente. Ele pediu ao médico para “cuidar para não sujar muito o meu sapato, que é novo”.
Técnica inovadora de Romildo Gonçalves
Diante da gravidade da situação, o médico decidiu fazer uma amputação abaixo do joelho, uma técnica inovadora para a época, que permitiu que Roberto Carlos mantivesse os movimentos na articulação. Essa decisão foi crucial para que ele, anos mais tarde, pudesse caminhar e até dançar com uma prótese, mantendo sua qualidade de vida.
O pai de Roberto, ao saber da amputação, ficou furioso e ameaçou matar o maquinista, acreditando que o acidente havia sido causado por imprudência. No entanto, o caso não foi amplamente divulgado, e o acidente sequer foi mencionado na reportagem do jornal local no dia seguinte.
Após o acidente, Roberto Carlos enfrentou um longo período de reabilitação. Até os 14 anos, ele usava muletas e até improvisava com a barra da calça, utilizando alfinetes para prender a roupa. Segundo o jornalista Nelson Motta, em entrevista sobre a vida de Roberto Carlos, o cantor não deixou que sua deficiência o impedisse de ter uma vida normal.
Mesmo jogando futebol com os amigos, ele encontrou formas de continuar participando das atividades. No time de futebol, ele atuava como goleiro, um papel que exigia menos mobilidade.
Quando finalmente obteve uma prótese aos 14 anos, Roberto Carlos comemorou sua recuperação de maneira emocionante. Ele correu pela praia, tropeçou, caiu, mas se levantou e continuou. No dia seguinte, ele foi a um baile e dançou a noite inteira, algo que marcou profundamente sua vida e sua carreira. O cantor não só superou o trauma físico, mas também fez da sua luta uma fonte de inspiração para a sua música e para a sua visão de vida.
O reflexo na música
O acidente de infância de Roberto Carlos não passou despercebido em sua carreira. Ele transformou sua dor e sofrimento em inspiração para suas canções. Na música “O Divã”, ele faz referência ao episódio, mencionando o sangue no linho branco, uma lembrança que ecoa o momento crítico vivido no hospital.
Além disso, em “Traumas”, ele descreve a febre e o sofrimento que sentiu durante sua recuperação, mas também o alívio de ter sobrevivido.
Roberto Carlos, o homem que encanta gerações com sua música, é também um exemplo de coragem, resiliência e força. Ele viveu uma verdadeira jornada de reinvenção após perder parte da perna, mas sua arte e sua personalidade inconfundível continuam sendo símbolos de sua incrível trajetória.