Uma aula sobre o conceito de tempo ministrada a estudantes do sexto ano em Ilhabela, no litoral de São Paulo, desencadeou uma crise institucional que culminou no pedido de demissão do professor responsável.
A atividade, que usou elementos da mitologia africana e grega para explorar visões culturais sobre o tempo, gerou reações negativas por parte de um vereador local e de pais de alunos, provocando pressões internas na escola e repercussão nacional entre entidades acadêmicas.
Professor é demitido após dar aula com mitologia para alunos
O professor César Augusto Mendes Cruz, doutorando em História, ministrava aulas na Escola Municipal Major Olímpio, que segue o modelo cívico-militar.
Durante uma das aulas, ele propôs uma reflexão sobre o tempo como construção cultural. Para isso, utilizou o mito iorubá de Irokô, que representa o tempo como entidade espiritual na tradição africana, além da figura de Cronos da mitologia grega, que devorava os filhos para evitar ser destronado.
A aula incluiu ainda três obras de arte europeias retratando o tempo como figura masculina idosa — entre elas uma pintura de Goya — e encerrou com a música “Oração ao Tempo”, de Caetano Veloso.
Apesar de estar em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com a Lei 10.639/2003, que determina o ensino da história e cultura afro-brasileira, a aula foi alvo de críticas públicas do vereador Gabriel Rocha (PL).
Em discurso na Câmara, o parlamentar concentrou suas críticas apenas na obra “Saturno devorando um filho”, de Francisco Goya, classificando-a de forma isolada e sem contexto como perturbadora e inadequada para crianças de dez anos.
Ignorando o restante do conteúdo apresentado aos alunos, sugeriu ainda que o professor teria intenções questionáveis, causando revolta entre os pais e nas redes sociais.
Professor pediu demissão após se sentir desamparado e com medo
Após esse episódio, o professor foi convocado para uma reunião com membros da Secretaria Municipal de Educação, sem aviso prévio, testemunhas ou acesso posterior aos registros da conversa.
Ele relata ter sido pressionado e questionado por autoridades escolares sem respaldo formal. Tentativas posteriores de obter documentos oficiais sobre a reunião e reclamações recebidas não foram atendidas.
Sentindo-se exposto e sem apoio institucional, César pediu desligamento da escola. A experiência resultou em adoecimento e o afastamento definitivo da sala de aula.
Em sua defesa, o professor afirma que tentou promover um ensino plural e que foi vítima de perseguição ideológica.
A Secretaria de Educação, por sua vez, alegou ter apenas orientado o professor sobre linguagem mais adequada para a faixa etária dos alunos.