Uma pesquisa divulgada na Scientific Reports identificou marcas genéticas de estresse em descendentes de mulheres que sobreviveram ao massacre de Hama, ocorrido na Síria em 1982. O estudo comprova que traumas podem gerar mudanças epigenéticas, isto é, modificações químicas que influenciam a ativação dos genes sem alterar sua sequência original. Antes dessa descoberta, tais efeitos haviam sido observados apenas em animais.
Para conter uma rebelião, o então presidente da Síria, Hafez al-Assad, ordenou um massacre que deixou entre 10 mil e 25 mil mortos, a maioria civis. Décadas mais tarde, pesquisadores descobriram alterações em 14 regiões do genoma de netos das sobreviventes, demonstrando que os efeitos do trauma podem ser transmitidos entre gerações.
Genética da violência
A antropóloga Connie Mulligan, da Universidade da Flórida e principal responsável pelo estudo, destaca que os achados devem conscientizar autoridades sobre as consequências duradouras da violência. Ela enfatiza que a pesquisa contribui para a compreensão dos ciclos intergeracionais de trauma, pobreza e abuso, frequentemente considerados impossíveis de romper.
Os pesquisadores examinaram três gerações de imigrantes sírios na Jordânia, comparando grupos que vivenciaram o massacre de 1982, a guerra civil de 2011-2024 e aqueles que emigraram antes de 1980. Os dados sugerem que indivíduos expostos ao estresse ainda no útero exibem sinais de envelhecimento epigenético acelerado, possivelmente ligados a doenças associadas à idade.
Transmissão de trauma
Pesquisas anteriores indicam que vivências traumáticas, de violência, podem impactar a expressão dos genes, e estudos com camundongos sugerem a possibilidade de transmissão intergeracional do trauma. Em relação aos seres humanos, os mecanismos precisos ainda não são totalmente esclarecidos, porém, há um número crescente de evidências de que fatores ambientais, como o estresse intenso, podem alterar a ativação ou supressão de determinados genes.
Mulligan destaca que os efeitos da violência vão além do aspecto psicológico, tendo também uma dimensão biológica. O avanço das pesquisas pode trazer novas compreensões sobre a herança dos traumas e seu impacto na saúde das próximas gerações.