Em uma recente decisão judicial proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (TRT-24), uma empresa de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, foi condenada a pagar uma indenização de R$ 5 mil por danos morais a um ex-funcionário que era obrigado a participar de orações antes do expediente de trabalho.
A sentença, ainda passível de recurso, reflete uma questão importante sobre a liberdade religiosa no contexto trabalhista e o respeito aos direitos individuais dos trabalhadores.
Prática de oração no ambiente corporativo
A empresa em questão realizava orações diárias entre 7h e 7h30, antes do horário regular de expediente. De acordo com o relato do ex-funcionário, ele era obrigado a chegar mais cedo do que o estipulado em seu contrato de trabalho para participar dessa prática religiosa.
No entanto, não houve questionamentos sobre a sua religião ou sobre a sua disposição em participar nessas orações. Em seu depoimento, o representante da empresa afirmou que a presença dos funcionários nas orações fazia parte da “cultura corporativa” da empresa. Embora o ex-funcionário estivesse presente, ele não participou das orações, o que sugere um ambiente de desconforto para quem não compartilha das mesmas crenças religiosas.
Liberdade religiosa e o estado Laico
A juíza responsável pela decisão, Lais Pahins Duarte, afirmou que a obrigatoriedade de participação nas orações configurava uma violação da liberdade religiosa do trabalhador.
A Constituição Federal do Brasil assegura o Estado laico, ou seja, um Estado que não se associa a nenhuma religião e garante a liberdade de crença e culto para todos os seus cidadãos. Nenhum indivíduo pode ser solicitado a participar de práticas religiosas contra sua vontade.
Essa garantia é fundamental para preservar a autonomia do trabalhador em relação à sua fé e suas escolhas pessoais, evitando que sejam submetidos a situações de constrangimento ou discriminação religiosa no ambiente de trabalho.
Constrangimento psicológico e danos morais
Embora a empresa tenha alegado que o funcionário nunca tenha se manifestado contra as orações, a juíza destacou que a exigência de participação ou mesmo a imposição de presença sem a devida consideração das pessoas configura um tipo de constrangimento psicológico.
O trabalhador, ao ser convocado a comparecer às orações, mas sem a possibilidade de recusa sem prejuízos, viveu uma situação de desconforto constante, o que configura dano moral. Além disso, o fato de uma empresa não ter se preocupado em dialogar sobre as preferências religiosas de seus colaboradores reforça a ideia de que a prática foi imposta sem sensibilidade e respeito pela individualidade dos funcionários.
Cultura corporativa versus direitos individuais
O conceito de “cultura corporativa” utilizado pela empresa pode ser questionado, pois, ao tentar impor uma prática religiosa a seus colaboradores, a organização ultrapassou os limites do respeito à diversidade e à liberdade religiosa.
A cultura de uma empresa deve promover um ambiente inclusivo, no qual todos os funcionários, independentemente de suas preocupações, possam trabalhar com tranquilidade, sem que sejam obrigados a aderir a práticas com as quais não se identificam.
O fato de uma empresa nunca ter questionado se seus funcionários se sentissem confortáveis com a prática religiosa em questão revela a falta de um diálogo saudável e respeitoso sobre a diversidade no ambiente de trabalho.
Responsabilidade das empresas na garantia dos direitos trabalhistas
A instrução da empresa a pagar uma indenização por danos morais ressalta a responsabilidade das empresas em garantir que os direitos de seus funcionários sejam respeitados, inclusive no que diz respeito à liberdade religiosa.
Além disso, fica claro que as práticas que impõem obrigações religiosas, como a participação em orações, não são condizentes com as normas de um ambiente de trabalho saudável e respeitoso. As empresas devem estar atentas às necessidades e à individualidade de seus colaboradores, promovendo um ambiente no qual as diferenças sejam respeitadas e os direitos fundamentais sejam preservados.
A imposição de práticas religiosas, como a participação obrigatória em orações, fere o princípio do Estado laico e pode gerar sérios prejuízos emocionais ao trabalhador. A decisão judicial serve como um marco importante para o fortalecimento da convivência e do respeito entre pessoas com diferenças dentro do ambiente corporativo.