A crise que envolveu a fiscalização das transferências via Pix tem gerado um cenário preocupante de impunidade, permitindo que fintechs sejam usadas por organizações criminosas em esquemas de lavagem de dinheiro.
A Receita Federal e a Polícia Federal estavam intensificando a fiscalização sobre essas transações, mas a derrubada da normativa que ampliava o monitoramento deixou brechas, tornando as fintechs mais suscetíveis a manipulação e lavagem de capitais ilícitos.
Relação das fintechs com a lavagem de dinheiro
As fintechs surgiram como alternativas digitais e mais eficientes para o sistema bancário tradicional, oferecendo serviços rápidos e sem muitas burocracias. No entanto, sua estrutura, menos regulamentada e com processos ágeis, acabou atraindo organizações criminosas que buscam facilitar a movimentação de dinheiro sujo.
Uma das estratégias é a utilização de múltiplas contas digitais para fazer transferências rápidas e difíceis de rastrear, um processo que se tornou ainda mais prevalente com a popularização do Pix, sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central.
A operação Recidere, deflagrada há cerca de um ano, teve como foco desmantelar um esquema de lavagem de dinheiro que utilizava essas fintechs. Esse esquema estava relacionado com o doleiro Leonardo Meirelles, ex-sócio de Alberto Youssef, investigado pela Lava Jato.
As movimentações financeiras realizadas através dessas fintechs eram parte de uma rede internacional, onde as transferências eram feitas para o exterior, usando contas de fachada para disfarçar a origem ilícita dos fundos.
Crise da fiscalização e a derrubada da norma sobre o Pix
A Receita Federal já vinha enfrentando dificuldades em monitorar as operações de Pix, pois o sistema foi criado para ser ágil e sem as mesmas exigências de registro das transações que existem para instituições financeiras tradicionais.
Para tentar controlar essas operações, a Receita criou uma norma que obrigava as fintechs a informar as movimentações realizadas por seus clientes, ampliando a fiscalização. No entanto, essa norma foi atacada por grupos de oposição com alegações falsas e foi revogada, causando um retrocesso nas investigações.
No passado, a Receita Federal e a Polícia Federal realizaram diversas buscas e apreensões, especialmente em estados como São Paulo e Santa Catarina, com foco na investigação de redes que usavam fintechs para a movimentação de dinheiro ilícito. Apesar dessas ações, a falta de uma fiscalização contínua deixou espaço para que novos grupos criminosos continuassem suas atividades sem o devido controle.
Impacto na operação das fintechs e a vulnerabilidade do sistema
A revogação da instrução normativa enfraqueceu o poder de fiscalização sobre as fintechs, que agora não são mais obrigadas a reportar as movimentações financeiras detalhadamente. Enquanto instituições financeiras tradicionais enviam informações detalhadas para a plataforma e-financeira da Receita, as fintechs operam com menos transparência, dificultando o trabalho da Receita Federal e da Polícia Federal.
A Receita esclarece que a plataforma e-financeira informa as transações realizadas, mas sem especificar o tipo de operação, como se foi um Pix ou uma transferência tradicional. Além disso, a plataforma não compartilha dados detalhados com o Banco Central, o que dificulta a coordenação de informações entre as autoridades fiscais e monetárias, um grande obstáculo para o combate à lavagem de dinheiro.
Reação do governo e o impacto no combate à lavagem de dinheiro
A crise gerada pela revogação da norma deixou claro que a falta de fiscalização eficaz cria um terreno fértil para o uso de fintechs em esquemas criminosos. O governo, embora tenha esclarecido que a medida não visava aumentar a tributação, alegou que a norma estava em conformidade com as leis de sigilo bancário e fiscal.
No entanto, o fato de que fintechs continuam a operar sem a necessidade de reportar detalhadamente suas transações deixa um buraco na fiscalização, permitindo que organizações criminosas manipulem os sistemas financeiros sem serem detectadas.
A Polícia Federal, por sua vez, continua realizando investigações, mas os desafios aumentaram com a mudança nas regras de fiscalização. Isso mostra a fragilidade do sistema de controle atual, que depende de regulamentos mais rígidos para garantir que as fintechs não sejam usadas para fins ilícitos.
Futuro da fiscalização das fintechs e a necessidade de um sistema mais robusto
É evidente que as fintechs desempenham um papel crucial na transformação do sistema financeiro, mas também geram riscos quando não são devidamente regulamentadas. A crise de fiscalização do Pix revelou falhas no sistema de controle, e as autoridades fiscais e de segurança pública precisarão se unir para criar uma rede mais segura de monitoramento dessas transações.
Para o futuro, é fundamental que o governo federal e as instituições financeiras encontrem uma forma de equilibrar a inovação trazida pelas fintechs com a necessidade de transparência e controle. Uma solução seria o aprimoramento das tecnologias de rastreamento de transações financeiras, com a inclusão de mais dados para que a Receita Federal tenha acesso a informações completas, sem comprometer os direitos de sigilo bancário.
O futuro do controle sobre essas plataformas digitais depende de uma colaboração entre governo, instituições financeiras e órgãos de segurança, para que a tecnologia não seja usada para fins ilícitos, mas sim para promover um sistema financeiro mais seguro e transparente.