No início de maio, a queda de uma árvore gigante em uma área de várzea no município de Fonte Boa, no Amazonas, revelou sete urnas funerárias indígenas enterradas a cerca de 40 centímetros de profundidade sob as raízes da árvore.
As urnas, com até 90 centímetros de diâmetro, continham ossos humanos, além de restos de peixes e tartarugas, indícios de práticas rituais e funerárias antigas.
O local da descoberta, conhecido como Lago do Cochila, trata-se de uma ilha artificial construída por povos ancestrais na região do Médio Solimões. A existência dessas ilhas, erguidas com terra e cerâmica, demonstra técnicas sofisticadas de engenharia usadas para resistir às cheias constantes dos rios amazônicos.
Moradias e plataformas para atividades cotidianas eram construídas sobre esses terrenos elevados, indicando uma ocupação permanente e organizada.
Trabalho arqueológico em parceria com a comunidade local
A investigação das urnas conta com a participação ativa da comunidade ribeirinha de São Lázaro do Arumandubinha, fundamental para o acesso e o sucesso da escavação, que só pode ser realizada por vias fluviais.
Walfredo Cerqueira, manejador de pirarucu, foi quem inicialmente identificou as urnas, acionando o padre local e, em seguida, arqueólogos do Instituto Mamirauá. Essa cooperação ilustra a importância do conhecimento tradicional aliado à ciência moderna.

Urnas de cerâmicas
As urnas apresentam características inéditas para a Amazônia, seu grande volume e a ausência de tampas cerâmicas visíveis sugerem que eram seladas com materiais orgânicos já decompostos.
Além disso, a equipe precisou construir uma plataforma de madeira e cipós para realizar a escavação em solo alagadiço, mostrando os desafios técnicos para estudar sítios arqueológicos em ambientes tão singulares.
Ilhas artificiais
As ilhas onde as urnas foram encontradas foram construídas com solo e fragmentos cerâmicos retirados de outras regiões, apontando para um conhecimento avançado em engenharia e manejo ambiental.
Essa técnica permitia a criação de espaços habitáveis mesmo em áreas frequentemente alagadas, confirmando uma intensa ocupação e adaptação ao território amazônico.
Análises e descobertas científicas: Novos Horizontes Cerâmicos
Após o resgate, as urnas foram transportadas para o Instituto Mamirauá, em Tefé, para análises detalhadas. Os primeiros resultados indicam o uso de argila esverdeada rara e faixas vermelhas, elementos não associados a tradições cerâmicas já conhecidas, como a Polícroma Amazônica.
Isso sugere a existência de um horizonte cerâmico ainda não documentado no Alto Solimões, abrindo caminho para novos estudos e revisões históricas.
Até então, a arqueologia considerava as várzeas amazônicas como áreas de uso temporário pelos povos antigos, principalmente durante períodos secos.
A descoberta das urnas e das ilhas artificiais comprova que essas regiões foram ocupadas permanentemente, com estruturas que permitiam a sobrevivência, a realização de rituais e a agricultura ao longo do ano.
A equipe do Instituto Mamirauá planeja continuar a investigação em outras áreas do Lago do Cochila, especialmente em árvores recentemente tombadas, na esperança de encontrar mais artefatos e ampliar o conhecimento sobre a cultura e história dos povos ancestrais da Amazônia.