A intoxicação alimentar que levou duas médicas à UTI após consumirem peixe em um restaurante em Natal acendeu o alerta para um risco até então pouco discutido no Brasil: a ciguatera.
Embora a intoxicação por ciguatera seja mais comum no Caribe, ela tem sido cada vez mais registrada na costa brasileira, colocando em evidência uma toxina originada de algas marinhas, conhecida como ciguatoxina, e sua disseminação através da cadeia alimentar marinha.
O incidente que envolveu as duas médicas internadas em estado grave após o consumo de peixe em um restaurante em Natal gerou uma investigação urgente das autoridades sanitárias. Embora a causa exata da intoxicação ainda não tenha sido confirmada, a suspeita é de que a ciguatera tenha sido a responsável.
As autoridades de saúde coletaram amostras dos alimentos consumidos pelas vítimas para análise, e a situação está sendo acompanhada pelo Departamento de Vigilância em Saúde de Natal e pela Secretaria Estadual da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap).
O que é ciguatera?
A ciguatera é uma intoxicação alimentar rara, mas grave, que ocorre após o consumo de peixes marinhos contaminados por toxinas produzidas por dinoflagelados, organismos microscópicos que se desenvolvem em recifes de corais, particularmente em regiões tropicais e subtropicais. As toxinas mais comuns associadas a essa condição são ciguatoxinas.
Essas toxinas não têm cheiro, sabor, nem são destruídas pelo cozimento ou congelamento, o que torna o diagnóstico e a prevenção extremamente desafiadores. Ciguatera não pode ser detectada antes do consumo, uma vez que os peixes contaminados aparentam estar perfeitamente normais.
Além disso, não há tratamento específico, sendo fundamental o atendimento médico rápido, geralmente focado em aliviar os sintomas.
Cadeia alimentar da ciguatera
A ciguatoxina se acumula ao longo da cadeia alimentar marinha. Algas tóxicas como o Gambierdiscus toxicus, presente em recifes de corais, são ingeridas por peixes herbívoros, que por sua vez são consumidos por peixes carnívoros. Quando seres humanos consomem esses peixes, o ciclo se fecha, e as toxinas entram no organismo.
Os peixes que frequentemente acumularão essas toxinas são aqueles de grande porte e carnívoros, como o dourado, envolvido no caso em questão. Embora o dourado não seja um peixe típico de recife, sua alimentação carnívora pode fazer com que ele bioacumule a toxina, tornando-o perigoso.
Sintomas e manifestações clínicas
As consequências de consumir peixe contaminado por ciguatera podem ser severas. Os sintomas iniciais incluem dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia.
Contudo, o quadro pode evoluir para sintomas neurológicos graves, como inversão térmica, onde a sensação de calor e frio se invertem, além de formigamento, fraqueza muscular e até problemas cardíacos como bradicardia (batimento cardíaco lento) e hipotensão (pressão arterial baixa).
Esses sintomas podem persistir por dias ou até meses, dependendo da intensidade da intoxicação, e a recuperação pode ser demorada. A condição é difícil de diagnosticar, pois não existem exames laboratoriais específicos para confirmar a presença de ciguatoxina nos humanos. O diagnóstico depende do histórico alimentar e da análise dos sintomas.
Desafio da prevenção e monitoramento
Embora as autoridades de saúde alertem para o risco de ciguatera, a intoxicação ainda é um fenômeno subnotificado no Brasil, o que contribui para a dificuldade em estimar a verdadeira magnitude do problema.
Casos registrados no estado de Pernambuco e no arquipélago de Fernando de Noronha desde 2022 indicam que a ciguatera está se tornando uma preocupação crescente.
A Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) já emitiu uma nota informativa para alertar os profissionais da saúde sobre a possibilidade de intoxicações exógenas associadas ao consumo de peixes contaminados por toxinas como a ciguatera, reforçando a importância da vigilância e do acompanhamento médico.
Outras hipóteses de intoxicação
Além da ciguatera, outras causas de intoxicação alimentar também precisam ser consideradas, como a intoxicação por histamina, que ocorre quando há falhas na cadeia de frio durante o transporte ou manuseio do pescado.
Esse tipo de intoxicação também pode provocar sintomas gastrointestinais semelhantes, como náuseas e vômitos, e ocorre quando os peixes não são armazenados adequadamente após a captura.
O presidente do Sindicato da Indústria da Pesca do Rio Grande do Norte (Sindpesca/RN), Arimar Filho, mencionou essa possibilidade, embora também tenha destacado que os sintomas observados nas médicas são compatíveis com a ciguatera, uma intoxicação natural e difícil de detectar antes do consumo.
Papel da Vigilância Sanitária
O caso destaca a necessidade de rastreabilidade do pescado e da inspeção rigorosa de estabelecimentos que comercializam frutos do mar. Mesmo com a inspeção federal, que realiza análises regulares de pescado, a ciguatera não pode ser evitada, pois a contaminação ocorre naturalmente e é invisível ao olho humano.
Portanto, a higienização adequada e o controle da cadeia de frio são essenciais para minimizar o risco de outras intoxicações alimentares.