Nos últimos anos, a saúde mental deixou de ser um assunto restrito a consultórios e universidades e passou a ocupar lugar de destaque na cultura pop e nas redes sociais. Transtornos como depressão, ansiedade e TDAH passaram a ser abordados em vídeos no TikTok, memes no Instagram e até em séries de televisão, tornando-se parte do vocabulário cotidiano.
A discussão sobre sofrimento psíquico e uso de medicamentos psiquiátricos ganhou visibilidade como nunca antes. Para a psiquiatra Juliana Belo Diniz, autora do livro ‘O que os psiquiatras não te contam’, ouvida pelo Globo, essa exposição crescente tem efeitos ambíguos — ao mesmo tempo em que ajuda a combater o estigma, também pode levar a diagnósticos apressados e banalização de temas complexos.
Disseminação excessiva
Por um lado, a maior visibilidade da saúde mental ajuda a quebrar tabus e reduzir o preconceito enfrentado por quem convive com transtornos psíquicos. Por outro, pode gerar um efeito colateral preocupante: a tendência de enxergar patologias em experiências comuns da vida e o crescimento de diagnósticos e prescrições sem a devida avaliação clínica.
A psiquiatra destaca que muitos dos dilemas enfrentados hoje, principalmente por adolescentes, têm raízes sociais e culturais, mas acabam sendo medicalizados. Ela cita, por exemplo, o aumento expressivo de prescrições para jovens com diagnóstico de TDAH e levanta uma questão importante: será que estamos diante de um crescimento real desses transtornos ou estamos tentando medicar o desconforto diante do tédio e da frustração, num mundo que exige estímulo constante?
Juliana também enfatiza que a prática psiquiátrica vai muito além da prescrição de remédios. O vínculo entre médico e paciente é essencial, e o sucesso do tratamento depende, em grande parte, da qualidade dessa relação terapêutica. Para ela, reduzir a psiquiatria à simples emissão de receitas compromete a eficácia do cuidado em saúde mental.
Autodiagnóstico e limites
A psiquiatra também aborda o impacto dos autodiagnósticos nas redes sociais, especialmente em relação ao autismo e TDAH. Ela alerta para o risco de patologizar comportamentos que fazem parte da diversidade humana. Ela destaca a desigualdade no acesso ao tratamento, onde alguns acumulam diagnósticos e medicamentos, enquanto outros, com quadros mais graves, ficam sem assistência.
Juliana ainda reflete sobre os limites da psiquiatria, que, apesar de ter base biológica, envolve subjetividade e tentativa e erro. Para ela, o sofrimento humano nem sempre tem cura em comprimidos, e muitas respostas podem estar mais na sociedade do que no cérebro.