Nos últimos dez anos, cerca de 50 mil médicos foram formados em cursos de Medicina com avaliações negativas do Ministério da Educação (MEC), o que corresponde a 21,4% do total de médicos formados entre 2013 e 2023.
Esses cursos, com conceitos 1 e 2 no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), refletem uma realidade preocupante da educação superior no Brasil. Ao mesmo tempo em que a demanda por médicos cresce, a qualidade do ensino e a formação de profissionais para o exercício da medicina não acompanham esse ritmo.
O desafio da avaliação do Ensino Médico no Brasil
A avaliação dos cursos de Medicina pelo MEC, através do Enade, revela um cenário de desigualdade educacional nas instituições que formam médicos. Enquanto algumas universidades públicas e privadas de excelência se destacam, muitos cursos, especialmente em universidades privadas e em locais com menos infraestrutura, apresentam notas baixas.
Esse cenário traz à tona um debate crucial sobre a qualidade da formação médica e o impacto na saúde da população. As avaliações feitas a cada três anos demonstram um quadro preocupante, já que a cada ciclo, milhares de médicos ingressam no mercado de trabalho sem uma formação sólida, o que reflete na qualidade do atendimento médico prestado à sociedade.
Crescimento acelerado e desordenado dos cursos de Medicina
O aumento no número de cursos de Medicina no Brasil foi impulsionado por programas como o Mais Médicos, lançado em 2013, e pela crescente demanda do setor privado por formação de médicos. No entanto, esse crescimento não foi acompanhado de uma regulamentação eficaz que garantisse a qualidade dos cursos.
O governo federal tentou frear esse aumento em 2018, impondo uma moratória que visava limitar a abertura de novas vagas, mas a medida gerou uma série de liminares judiciais que garantiram a abertura de milhares de novas vagas em instituições sem a estrutura necessária para garantir um ensino de qualidade.
Isso resultou na formação de médicos em instituições com avaliação insatisfatória, muitos dos quais não estão adequadamente preparados para atuar no mercado de trabalho.
Um negócio bilionário
A educação médica movimenta um mercado bilionário, com mensalidades médias que ultrapassam os R$ 9 mil mensais. Este valor elevado coloca a medicina como um dos cursos superiores mais caros, mas também gera uma evasão baixíssima por parte dos alunos.
Estima-se que cada vaga em Medicina seja um ativo de R$ 2 milhões para as instituições de ensino. Esse mercado, alimentado pela promessa de um futuro promissor para os alunos, acaba colocando em risco a qualidade da formação, uma vez que a pressão por matrículas e a alta lucratividade das faculdades muitas vezes eclipsam a preocupação com a qualidade do ensino.
Qualidade da Formação Médica e a dificuldade de manter médicos nas regiões carentes
Embora o número de médicos formados no Brasil tenha aumentado consideravelmente, a distribuição desigual desses profissionais é um problema persistente. Muitos dos médicos formados em instituições de baixa qualidade acabam se concentrando nas grandes cidades, especialmente nas regiões Sudeste e Sul, onde estão localizados os melhores hospitais e centros de ensino.
Esse desequilíbrio dificulta a permanência de médicos nas áreas mais carentes, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, que enfrentam sérias dificuldades para atrair e reter profissionais de saúde.
O desafio é grande, pois, além de formar médicos qualificados, é necessário implementar políticas públicas eficazes que incentivem a distribuição equitativa de profissionais por todo o território nacional.
A nova avaliação do MEC
O governo federal anunciou recentemente uma nova prova anual para os formandos em Medicina, com o objetivo de avaliar melhor a competência dos futuros médicos. No entanto, essa avaliação não está atrelada ao diploma e, portanto, não impede o exercício da profissão.
A ideia é que ela funcione como uma porta de entrada para as residências médicas, que são especializações fundamentais para garantir que os médicos atuem de forma mais qualificada em áreas específicas. Porém, o fato de os médicos poderem atuar como generalistas sem essa especialização levanta dúvidas sobre a efetividade do modelo de avaliação proposto.
Proposta do Conselho Federal de Medicina (CFM)
O Conselho Federal de Medicina (CFM) defende uma medida mais drástica: um exame obrigatório, semelhante à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que só permitiria o exercício da medicina após a aprovação do teste.
Essa proposta visa garantir que os médicos possuam as competências necessárias para prestar um atendimento de qualidade à população. Porém, essa ideia enfrenta resistência de alguns setores, que argumentam que ela pode tirar a autonomia das instituições de ensino e criar uma reserva de mercado, além de potencialmente afetar a flexibilidade curricular dos cursos.
Necessidade de reformas estruturais na Educação Médica
A formação de médicos no Brasil precisa passar por uma reforma estrutural que contemple tanto a avaliação da qualidade do ensino quanto a eficiência da prática profissional. Para garantir a saúde do futuro do Brasil, é necessário que o país repense a qualidade da educação médica e as formas de selecionar os melhores profissionais.
O modelo atual, com a dispersão de cursos de baixa qualidade, não só compromete a saúde pública, mas também coloca em risco o futuro do sistema de saúde do país, que já enfrenta uma série de desafios relacionados ao atendimento médico de qualidade e à distribuição desigual de profissionais.
A proposta de uma avaliação mais rigorosa e a criação de um exame obrigatório para o exercício da profissão podem ser caminhos importantes, mas é necessário um debate aprofundado sobre a autonomia das instituições e a flexibilidade dos currículos, para que o país consiga, finalmente, garantir uma formação médica de qualidade e um sistema de saúde que atenda a todos de forma justo.