Na semana passada houve uma corrida desesperada aos postos de gasolina por conta de um falso alarme.
Não que a paralisação dos transportadores de combustíveis tenha sido falsa, ela de fato ocorreu.
Falsa foi a expectativa de que aquilo duraria mais que algumas horas.
Aprendam, crianças: nenhum levante coletivo que possa realmente causar dano ao governo, a qualquer governo, dura mais que um dia nesse país. A não ser que seja uma tramoia armada num grande acordo nacional, com o supremo, com tudo.
Aqui, tudo é negociável. Inclusive o legislado.
Portanto, ver o povo quebrar um governo, qualquer governo, é sonho. De se sonhar acordado, mas ainda assim é sonho.
Eu, com tanque a dois pauzinhos de ficar vazio, não entrei na corrida aos postos. Na real, estava torcendo muito para que a gente ficasse aí um mês e meio sem gasolina. Mera curiosidade antropológica.
Queria ver se viraria, como observou meu amigo Thiago Salomão, um “Mad Max” mineiro.
Ou um “Walking dead” do pão de queijo.
Desse quase-presente apocalíptico tive mero vislumbre.
Quando voltava do show da Anavitória com minha filha, queimando no meu carro a tal da gasolina, cantarolando contra minha vontade “é tão singular, nananananana”, vi uns 100 metros de fila saindo do posto Shell ali do Cascatinha. Bruta sexta-feira, onze da noite, debaixo de chuva, e o povo encarando aquela barra pra poder encher o tanque de petróleo. Como se fosse água no deserto.
Ou cerveja em véspera de eleição.
O horror. O horror.
Fui dormir com aquilo na cabeça. E aí sonhei.
Os carros nas garagens.
Acumulando poeira junto com as máquinas de escrever, as fitas K7, os atlas geográficos escolares do IBGE e outras coisas obsoletas.
E eu acordava e ia levar a Bia para a aula de bicicleta. Eu na minha, ela na dela. Era a minha velha Monark Monareta, marrom-cocô. Descíamos a Independência passando por outras bikes, apostando corrida com os skatistas e os paraplégicos doidões em suas cadeiras de rodas. Nenhum carro, nenhuma moto.
E daí eu empolguei e comprei um cavalo. E vinha para a Tribuna cavalgando. E ia dar aula na UFJF marchando o pêlo-duro com cara de andaluz. E o cavalo morava no playground do meu prédio junto com outros cavalos e o condomínio agora subira um pouco porque, além de água e limpeza, o feno também era despesa comum dos moradores.
Comprei canivete e fumo de rolo.
Ia fazer compras no Bahamas e trazia os mantimentos dentro do alforje preso à sela.
Ia tocar no Muzik trotando o alazão com o violão nas costas.
Tava demais o meu sonho.
Mas daí veio o dia, e com ele a notícia de que o sindicato dos transportadores de combustíveis havia entrado em acordo com o governo do Rio.
No Brasil, sabe-se, fazemos muitos acordos.
A gasolina já fluía de boas pelas estradas esburacadas desse Brasilzão, pronta para descer goela abaixo dos reservatórios subterrâneos e esguichar das bombas.
Acabava ali, com aquela notícia no sábado de manhã, o meu sonho. Aliás, os meus sonhos, no plural.
O dos cavalos e aquele outro.
Aquele de se sonhar acordado.