Existem tradições que a gente segue e muitas vezes nem sabe o porquê. Há muitas versões sobre a origem do jejum de carne vermelha na Quaresma. Algumas remontam à Idade Média, quando a abstinência do produto vinha a calhar, já que no rígido inverno ele chegava a ficar totalmente indisponível. Outras, da mesma época, fazem contraponto à fartura do ingrediente no “carnevale”, banquetes da nobreza em que o produto era consumido à vontade, hábito que foi associado à gula e a luxúria. A Igreja orientava, para equilibrar, que durante os 40 dias antecedentes à Páscoa, a elite compensasse deixando temporariamente o consumo de lado.
Segundo Marília Abel e Carlos Consiglieri, autores do livro “O bacalhau na vida e na cultura dos portugueses”, com o fortalecimento do cristianismo na Europa, o Vaticano instituiu durante a Semana Santa um rigoroso calendário de jejum. A proibição recaía, entre outros prazeres, sobre o consumo de carne vermelha, considerada “quente”, em alusão ao sacrifício de Jesus com seu próprio sangue pela Humanidade. O bacalhau, considerado “frio”, era liberado e, como era barato e abundante, tinha consumo estimulado pelos comerciantes do período.
Por isso, o pescado passou a ter forte ligação com a religiosidade lusitana e, por consequência, suas colônias. Teorias da conspiração espalhadas pela internet afirmam que, na época em que o jejum de carne vermelha foi instituído, o Vaticano era dono de uma das maiores frotas pesqueiras do peixe. Terá sido malandragem? Bom, isso já é outra história – e nenhuma comprovação foi publicada.
De qualquer forma, o bacalhau, que é amado por uns e desprezado por outros, é um clássico nas comemorações familiares, como a Páscoa e o Natal. Como a Semana Santa se aproxima, pedimos à chef Patrícia Nery, do Le Portuga, especializado em gastronomia portuguesa, que apresentasse um preparo diferente para o tradicional pescado.
A sugestão foi um risoto que reúne parceiros habituais do peixe, como as azeitonas negras e o azeite, mas traz, por outro lado, os ares de praticidade e sofisticação característicos do prato à base de arroz arbóreo. “É determinante a escolha do tipo do bacalhau. Utilizamos o Gadus morhua, que se quebra em lascas e é considerado o ‘legítimo'”, orienta a chef. Para o preparo, é preciso dessalgar o peixe antes e, segundo a chef, usar um caldo de legumes feito em casa. “Pegue uma cenoura, duas cebolas, dois talos de salsão e corte grosseiramente. Leve ao fogo em dois litros de água com cinco grãos de pimenta-do-reino, alecrim e tomilho a gosto e uma folha de louro. Espere fazer um caldo aromático e líquido sem deixar ferver. Coe e está prontinho para usar.”
Risoto de bacalhau com olivas negras, tomatinhos e alho crocante
por Patrícia Nery
Ingredientes
• 300g de arroz arbóreo
• 400ml de caldo de legumes
• 180g de bacalhau em lascas dessalgado
• 30g de alho
• 20ml de azeite extra virgem
• 8 azeitonas pretas graúdas
• Tomatinhos cereja ou sweet grape a gosto
• 5g de salsa fresca
• 200ml de vinho branco seco
• 50g de cebola branca
• 50g de cebola roxa
• Sal e parmesão ralado a gosto
• Manteiga gelada (quanto bastar)
• Brotos a gosto
Modo preparo
Aqueça uma frigideira pequena e coloque azeite. Doure as lascas do bacalhau, em seguida a cebola roxa, as azeitonas pretas e os tomatinhos e, ao final, coloque metade do vinho branco e reserve. Em uma panela, com um fio de azeite, refogue a cebola branca e o arroz. Acrescente a outra metade do vinho branco seco e misture. Coloque uma concha com o caldo de legumes e mexa. Quando perceber que o risoto está secando, acrescente mais um pouco do caldo e misture, faça este processo até que o risoto fique al dente.
Nesse ponto então, coloque na panela os ingredientes reservados da frigideira. Rale o queijo parmesão e coloque na panela com uma colher de manteiga gelada ao desligar o fogo, e misture. Acrescente a salsa fresca picada. Corte o alho em pequenas lâminas e, em uma frigideira com bastante azeite, frite-o até que fique crocante. O risoto está pronto para ser servido. Por cima, vão o alho crocante e os brotos para decorar e dar um toque de sabor.