Comer é muito mais que ingerir nutrientes que atendam as necessidades do nosso corpo. A alimentação envolve aspectos sociais, afetivos e memórias de tempos, pessoas lugares que marcaram nossas vidas pelos sabores. Imagine, por um diagnóstico de uma doença já na vida adulta, ter de abrir mão de boa parte destes laços porque certos alimentos precisam ser cortados. Foi o que aconteceu com a jornalista e blogueira Laila Hallack, que com 22 anos descobriu que era celíaca e, inicialmente, pensou ter de se despedir de delícias como bolos, pães, massas e tantas outras. Mas o que parecia o fim de uma história representou um recomeço, a descoberta da culinária, que acabou se tornando uma paixão. “Na minha família, sempre gostamos de cozinhar. Eu, até ser diagnosticada, só fazia brigadeiro, macarrão instantâneo e pipoca de micro-ondas”, diverte-se Laila, relembrando o caminho até o fogão, um de seus companheiros preferidos atualmente, parceria que poderá ser vista na Tribuna na nova temporada da Cozinha do Gibra, inteiramente dedicada à culinária sem glúten.
Segundo Laila, o convite surgiu quando Gibran Lamha visitou a feirinha “É daqui”, da qual Laila participou por alguns meses – e que batalhou muito pela realização – com receitas que criou junto a sua prima Alessandra Cupertino, nutricionista com experiência em trabalhar com alguns ingredientes sem glúten. “Gibran experimentou alguns produtos e gostou muito, e sugeriu de fazermos uma temporada sem glúten, porque também tinha interesse em conhecer mais sobre essa culinária. Unindo-se à minha vontade de divulgar as possibilidades sem o glúten, foi uma ótima oportunidade, mas um processo. Tive que explicar que teria que levar meus próprios utensílios, por exemplo, para não ter risco de contaminação cruzada, algumas adaptações mínimas para um celíaco poder entrar na cozinha”, explica.
‘Queria poder voltar a comer os sabores da minha infância’
Até Laila ter as próprias receitas consolidadas o suficiente para vender, o caminho para retomar o prazer seguro de comer teve muitos passos. “Eu procurava receitas sem glúten na internet, e muito do que eu achava eram receitas ‘fit’ , que são um caminho, gosto de algumas também. Mas eu queria poder voltar a comer os sabores da minha infância, adaptando ingredientes. No primeiro momento, meus pais foram fazendo este processo, eles cozinhavam, e eu ia para a cozinha também, conferindo rótulos, checando tudo para ver se realmente não havia risco de algo ter glúten”, recorda-se. “Depois, fui sentindo uma vontade maior de me envolver de fato com a minha alimentação, não só pela saúde física, mas porque virou um prazer, me faz bem à alma também. E criei outra relação com o alimento, conhecendo a origem de cada ingrediente, o modo de preparo, é um envolvimento muito maior e mais gostoso. Daí fui me arriscando, fazendo substituições, testando e criando”, diz a jornalista.
Segundo Laila, que adora preparar sobremesas e reconhece que os bolos (de encher os olhos, verdade) se tornaram sua marca registrada, é essencial, quando se pensa na gastronomia para celíacos, promover a inclusão alimentar. “Quando preparo um jantar, por exemplo, faço sempre algo que todos possam comer, celíacos ou não, por exemplo um risoto, que é prático, gostoso e sem glúten”, diz.
“Ainda é muito difícil as pessoas terem empatia, entenderem que a doença celíaca é um quadro autoimune para o qual o remédio é não consumir glúten. Não pode comer ‘só um pouquinho’, ‘só um pedacinho’, e nem estar perto de ingredientes que o contenham. Por isso mesmo, em Juiz de Fora, ainda há pouquíssimos restaurantes em que eu me sinta segura para comer sem colocar minha saúde em risco. Mas acho que isso vem mudando, e tenho buscado falar cada vez mais sobre o assunto, com bom humor e trazendo informação. É o caminho para que os celíacos se sintam acolhidos e para que quem não tem a doença entenda e se sensibilize”, completa.
Vivendo em Cabo Frio (RJ) e de volta ao telejornalismo, Laila tem planos de continuar fazendo vídeos de receitas e mantendo seu site com informações e receitas sobre este universo gastronômico. Para você conhecer um pouquinho da culinária sem glúten e se entregar às suas delícias, ela ensina a preparar um bolo sem farinha na massa, mas que continua fofinho e molhadinho. “Nos meus bolos, eu substituo a farinha de trigo por um mix de farinhas, assim a consistência fica bem próxima! Para mim, só a farinha de arroz esfarela a massa… A ideia é deixá-lo firme e fofo ao mesmo tempo. Mas resolvi dividir uma receita que não leva farinha nenhuma! A cobertura pode ser o que a pessoa preferir: ganache, brigadeiro, com morangos ou sem… eu faço com uma musse especial, mas é segredo de família há alguns anos, e essa eu guardo a sete chaves (risos).” Além disso, você pode conferir outras receitinhas nos sete episódios desta temporada do Cozinha do Gibra, que vai ao ar toda sexta-feira.
Bolo de chocolate sem farinha, por Laila Hallack
Ingredientes
Massa
6 ovos
6 colheres (sopa) de chocolate em pó (olhar o rótulo, sempre!)
6 colheres (sopa) de açúcar
4 colheres (sopa) de manteiga
1 pacote de coco ralado (100g)
1 colher (sopa) de fermento
Ganache
2 xícaras de chocolate meio amargo
1 lata de creme de leite sem soro
1 colher (sopa) de manteiga
Modo de preparo
Bata as claras em neve. Acrescente as gemas, uma por uma. Adicione os outros ingredientes da massa e continue batendo. Misture o fermento delicadamente. Unte a fôrma e polvilhe com alguma farinha sem glúten. Asse em forno preaquecido. É importante não deixar assar muito. O palitinho sai um pouco mais molhadinho do que em um bolo tradicional. Um bom sinal é observar a superfície do bolo. Ela vai mudando de cor quando estiver quase no ponto.
Derreta o chocolate com a manteiga, aqueça o creme de leite e misture tudo. Cubra o bolo com ganache.