Basta olhar para as gôndolas de supermercado gourmet e também dos comuns e observar o aparecimento de lojas especializadas: o consumo de vinhos dos brasileiros está aumentando. Dados divulgados pela Wine Inteligence’s Brazil Landcapes mostram que o mercado de consumidores de vinho no Brasil saltou de 22 para 30 milhões de pessoas, o que corresponderia a dois litros por pessoa no ano.
O incremento no consumo da bebida tem provocado outro fenômeno: cada vez mais, os enófilos – apreciadores de vinhos – têm buscado não apenas diversificar o consumo, mas também conhecer mais sobre a bebida, suas variedades, suas técnicas e as especificidades de cada região produtora. A tendência impactou Juiz de Fora, que atualmente tem um curso da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), que tem atraído, além de profissionais, leigos que procuram entender mais do que bebem ou querem beber. “O interesse vem de um desejo de apreciar melhor o vinho, seja valorizando uma bebida de R$ 5 mil ou aprendendo a escolher bons rótulos acessíveis, de R$ 50. É uma questão de aproveitar o investimento, saber a temperatura adequada, o ambiente, a taça. Tudo isso, entre outros fatores, engrandece a experiência de tomar vinho”, diz o sommelier e presidente da ABS Minas, Renato Costa, em visita à filial de Juiz de Fora.
Responsável pela ABS Juiz de Fora, Marco Morais acrescenta: “Tem uma parte do empresariado que quer vender o produto melhor, então alguns alunos são donos de estabelecimentos, garçons, maîtres, entre outros. Depois de dois anos, todos recebem a certificação W7, a mais alta que um sommelier pode ter internacionalmente. Mas os enófilos ganham muito conhecimento que ajuda a comprar e consumir melhor os vinhos”.
Renato destaca também que há um movimento das vinícolas em se aproximarem dos consumidores, apresentarem seus produtos, e isso só fortalece a rede de interesse na bebida. “E para os enófilos, que são o público, essa oferta chega de outra maneira quando fazem o curso, porque aprendem sobre harmonização, como degustar, o tipo de uva e suas características individuais e de assemblage (quando um vinho é feito com vários tipos de uva), o terroir de cada região.”
Naraiana Cantaruz, gerente de um restaurante e apreciadora da bebida, afirma que a informação é essencial para comprar vinho melhor. “Você deixa de ser ‘enganado’ pelo mercado e entende as relações de custo-benefício. O mais interessante é ver as diferenças entre a produção de um lugar e outro, e a escola de que mais gostei até agora foi a argentina.”
Importações contribuíram para busca pelo conhecimento
Para Renato Costa, o aumento do interesse dos brasileiros em geral pelos vinhos veio nos anos 2000, quando houve um incremento nas importações. “Antes o que se tinha era basicamente vinhos alemães, portugueses e franceses. Hoje há uma variedade de nacionalidades, uvas, preços, e-commerce. É natural que depois do aumento do consumo, venha essa busca por conhecimento”, diz. Apesar de reconhecer o crescimento da produção nacional, ele acredita que ela não causa impacto ainda nos hábitos de consumo. “É muito recente. Há vinhos de excelente qualidade, premiados inclusive, sendo feitos em Minas, Goiás, na Bahia e, claro, no Rio Grande do Sul, mas acho que um possível impacto nos hábitos do brasileiro só virá daqui a uma ou duas décadas.”
Sobre o mercado da cidade, Renato se mostra otimista. “Juiz de Fora tem uma inserção muito interessante no mercado de vinhos, vi mercados comuns e gourmet com variedade de rótulos, restaurantes e bares com boas cartas. Acho que estão atentos e investindo, porque tem público, há uma efervescência no mercado. Além disso, há muitas importadoras atuando muito e muito bem na cidade, muitas vezes levando o produto ao consumidor final mesmo.”
Intercâmbio com culturas de outros países
Convidada pela ABS, fui conhecer um dos eventos que integra o curso. Numa noite de segunda-feira, a turma teve uma espécie de masterclass com o chileno Alex Ordenes, único sommelier conseil da América Latina. O curso que propicia esta formação foi criado pela Université Du Vin, na França, em 1982, para garantir o conhecimento e as habilidades específicas para os vinhos de qualidade e também para serviços. Os profissionais são convidados pela universidade para compor as turmas, ou seja, não é possível realizar inscrições. Tudo é avaliado: tempo de carreira, currículo, diferenciais, entre outros.
Durante a aula, degustamos alguns rótulos chilenos e aprendemos sobre diversas regiões, suas características e por que certos climas, relevos e características naturais produzem certas uvas. “A ideia é trazer uma amostra do que o Chile produz, que são vinhos complexos e muitos variados. As pessoas conhecem geralmente uma variedade ou outra, mas há uma enorme diversidade. Os tintos são muito famosos, por exemplo, mas os brancos são excelentes, precisam de frio para serem produzidos. Então minha presença aqui é para promover o intercâmbio e expandir o conhecimento do curso”, explica.
Ao longo da noite, os alunos foram preenchendo fichas técnicas dos vinhos, muito elaboradas e detalhadas, impossíveis de serem preenchidas por uma leiga absoluta como eu. Segundo Renato Costa, a intenção é continuar trazendo profissionais especializados em regiões famosas pela sua produção de vinhos. O plano é que a próxima aula assim, semestre que vem, seja sobre vinhos espanhóis.