Virou rotina nos últimos anos a constatação do enfraquecimento das democracias ao redor do mundo. A última pesquisa do Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA) apontou queda em pelo menos um indicador-chave do desempenho democrático nos últimos cinco anos em 85 países dos 173 pesquisados, figurando nessa lista países como EUA, Portugal, Áustria, Reino Unido e Rússia, especialmente.
No Brasil, pontualmente, o relatório destacou a polarização ampliada nas eleições de 2022 e observou que a supervisão judicial das eleições foi determinante para conter a desinformação, fato que não escamoteia alguns exageros. Ainda de acordo com o relatório, as instituições democráticas brasileiras demonstraram destacada resiliência e eficácia na contenção da erosão democrática no país, fenômeno que se destaca pela característica peculiar da degradação da democracia por dentro das Instituições, notadamente através do Poder Executivo.
Digno de nota foi a constatação do compromisso com a transparência, com a prestação de contas e o Estado de Direito, fundamentais para manter a estrutura democrática no Brasil.
Por outro lado, alguns desafios importantes foram apontados: garantir respeito aos direitos de modo geral, notadamente a liberdade de expressão sem negligenciar a desinformação; combater a corrupção; diminuir a desigualdade social; promover uma cultura do diálogo e da não polarização após uma década de declínio da democracia no país (ação que mitigará os riscos de líderes autocráticos), entre outros esforços.
Da lista descrita acima, entendo que o desafio da polarização é o mais espinhoso, seja pelo impacto provocado pela tecnologia na forma de as pessoas dialogarem ou pelo influxo no aumento das diversidades social, cultural, identitária e econômica. Segundo levantamento da agência Edelman Trust Barometer, 78% dos brasileiros avaliam que o país está mais dividido que no passado e 80% apontam que a falta de respeito mútuo cresceu. Esses percentuais superam a polarização de países como Estados Unidos, Argentina e Itália. Apenas 29% estão dispostos a ajudar alguém que pensa diferente e 22% enxergam como natural trabalhar com alguém com outra percepção de vida.
Nunca é demais lembrar que a Constituição de 1988 estipulou como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art.3, inciso I). Esses objetivos são impostos ao Estado e à sociedade. A solidariedade constitucional é uma convocação que nos demanda respeito às diferenças e um consenso sobreposto sobre os projetos de vida individuais. Essa imposição não exige afeto, mas respeito e consideração. Respeito e consideração por ideias diferentes é característica básica da cidadania e da democracia. Por oportuno, vale lembrar que a livre circulação de ideias diferentes não protege discurso de ódio, ofensas e incitação à violência, até porque a própria Constituição, no mesmo artigo 3°, agora no inciso IV, também afirmou que é objetivo promover o bem de todos sem qualquer tipo de preconceito.
Portanto, observamos no ano de 2023 uma democracia resiliente no país e alguma melhora na sua prática, sobretudo na perspectiva das Instituições. Já a prática democrática nas interações sociais se ressente de uma polarização ainda muito presente, desafiando o objetivo fundamental da solidariedade que vivencia sua maior crise desde a promulgação da Constituição.