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Usucapião em caso de abandono do lar? – Parte 1

coluna marcela morales
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Imagine a seguinte situação hipotética. João e Maria se casaram no ano de 2010; logo em seguida, adquiriram um imóvel, local onde passaram a residir. Em 2018, João comunica o fim do relacionamento, abandonando o lar conjugal. Vários anos se passam sem que haja qualquer discussão quanto à partilha de bens; Maria permaneceu no imóvel do casal durante todo esse período, arcando com todas as despesas. Pergunta: hoje, Maria conseguiria usucapir o imóvel em questão, adquirindo, assim, a parcela pertencente ao ex-cônjuge?

A usucapião é uma forma de aquisição da propriedade de um bem pelo uso após o decurso de um determinado tempo. Esse é um instituto do Direito Civil extremamente conhecido, inclusive por aqueles que não são da área jurídica. Mas há uma modalidade de usucapião que ainda não é muito conhecida pelo público leigo: a usucapião familiar. Introduzida no direito brasileiro em 2011, sua finalidade é a proteção do direito de moradia do cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o outro ter abandonado o lar.

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Vários requisitos devem ser preenchidos para que essa modalidade de usucapião possa ser concedida pelo Poder Judiciário. Esses requisitos estão previstos no artigo 1.240-A do Código Civil, pressupondo a propriedade comum do casal.

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Primeiro, o imóvel em questão deve ter até 250 m². Essa é a metragem limite já prevista na Constituição Federal (art. 183). A intenção do Constituinte foi a de impedir usucapiões milionárias. (Mas não consigo deixar de notar que, a depender da localidade em que o imóvel está localizado, o valor pode sim ser milionário… Imagine um imóvel com essa metragem localizado no Bairro do Leblon, no Rio de Janeiro…)

Segundo, o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel e que está requerendo a usucapião não pode ser proprietário de outro imóvel. Razoável, pois, como dito, a finalidade de tal usucapião é proteger o direito à moradia.

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Terceiro, a parte que está requerendo a usucapião deve exercer, por dois anos ininterruptos e sem oposição, a posse direta e exclusiva do imóvel. Chama a atenção o curto espaço de tempo exigido. A opção feita pelo legislador encontra respaldo na tendência geral de redução dos prazos nas mais diversas legislações e possui uma finalidade a ser cumprida: a de proteger a estrutura familiar.

Quarto, e último, requisito: o abandono do lar por parte de um dos cônjuges ou companheiros. Esse requisito é que mais gera debates nos tribunais. Como interpretar o “abandono do lar”? É importante ressalvar que o direito é “vivo”, passível de novos entendimentos e aplicações, mas, hoje, os tribunais brasileiros entendem que o abandono do lar é configurado (para fins de usucapião familiar) quando há o abandono voluntário e injustificado da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família. Ou seja, abandonos justificados (como quando o convívio se torna inviável em razão de violência doméstica) impedirão a pretensão jurídica de usucapir o imóvel. E, além disso, também é necessário que fique configurada a ausência de assistência material e moral por parte daquele que abandonou o lar.

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A usucapião familiar, portanto, parece ter suas bases na proteção à família. Continuaremos nossa abordagem no próximo artigo. Até lá!

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