Há um ano se iniciava essa jornada de escrever periodicamente em um jornal. Meu primeiro texto saiu no final de novembro de 2019 e ressaltava a importância de se construir uma perspectiva racial do direito, apresentava a possibilidade-vontade de produzir análises jurídicas a partir de uma epistemologia negra – necessariamente radical e contra-hegemônica.
Nesse ano de conversas com os leitores e leitoras da Tribuna, busquei trazer para algumas quartas-feiras um pouco de cor para o branco do Direito e para o cinza do jornal. Enquanto único colunista negro desta coluna, repousou e ainda repousa sobre mim certa responsabilidade de trazer a baila o racismo que estrutura a sociedade brasileira. E hoje não será diferente.
Nas eleições municipais deste ano tivemos um crescimento de candidaturas negras decorrente da obrigatoriedade do repasse proporcional de recursos para negros e negras. De acordo com o TSE, pela primeira vez, o número de candidaturas negras (composta por pretos e pardos) superou o número de candidaturas brancas, apesar de ter crescido apenas 2,08% em relação às eleições municipais de 2016.
Em relação às candidaturas que lograram sucesso, 32% das prefeituras do Brasil serão comandadas por uma pessoa negra (3% a mais do que em 2016), e 44% dos vereadores e vereadoras do Brasil serão negros (2% a mais do que em 2016).
Apesar do crescimento ser algo a ser comemorado, esse crescimento também possui influência do alto número de recandidaturas que mudaram sua declaração racial – 27% do total de 154 mil candidatos e candidatas que já haviam declarado essa informação em pleitos anteriores.
Juiz de Fora se insere nesse quadro de sub-representação de maneira mais desproporcional do que o consolidado nacional. 67,5% dos candidatos ao pleito de 2020 eram homens e 58% das candidaturas eram de pessoas brancas. Em relação aos eleitos e eleitas, o abismo é ainda maior. Do corpo de vereadores e vereadoras eleitos este ano, somente 21% serão mulheres – todas brancas -, e somente 21% se autodeclararam negros, sendo que Cido Reis, Dr. Antônio Aguiar e Tallia Sobral se declararam pardos e Nilton Militão se declarou preto.
Não entrarei no mérito da autodeclaração de nenhum dos vereadores e vereadora eleitos como negros, mas é possível perceber que a desigualdade racial e de gênero no município de Juiz de Fora continua influenciando de maneira determinante os espaços de representação, o que destaca cada vez mais a imperiosa necessidade de tratar de racismo na cidade.
O debate até então “abandonado” da aprovação do feriado municipal no dia da consciência negra – 20 de novembro – merece ser revisitado por essa nova composição da Câmara Municipal, acompanhado por um debate sério sobre o nível de desigualdade racial da cidade, que a colocou como terceira cidade mais desigual entre negros e brancos no Brasil.
A cidade que foi um dos centros escravocratas da região e do Estado de Minas, e que chegou a possuir quase o dobro do número de negros escravizados em relação ao número de pessoas livres nos anos anteriores à abolição, continua a reproduzir, em 2020, as dinâmicas de exploração, marginalização e invisibilização em relação à sua parcela negra da população.
É preciso reconhecer o racismo que estrutura a cidade, produzir o debate público e agir de modo a combatê-lo. A negação do racismo não cabe mais na agenda política em pleno 2020, pelo menos não deveria caber.