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Advocacia e coerência democrática

coluna thiago almeida
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No dia 8 de fevereiro a Polícia Federal empreendeu rumorosa operação com o objetivo de cumprir medidas cautelares fixadas no âmbito de investigação sobre tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. O ex-presidente Jair Bolsonaro e outros integrantes de seu governo foram alvos das diligências. Na decisão que determinou a realização das medidas (cf. PET 12.100-DF) o ministro Alexandre de Moraes (STF) impôs, entre outras cautelares pessoais, a proibição dos investigados de manterem contato entre si “inclusive por meio de seus advogados”.

Para além da controversa iniciativa de se proibir o contato entre investigados (o investigado não é fonte/objeto de prova – como a vítima ou a testemunha – mas sujeito da investigação), o trecho da decisão provocou intensa e imediata reação da advocacia brasileira. Isso porque um dos caminhos interpretativos conduziria à proibição de contato entre advogados de investigados. E não há dúvida que tal injunção, tomada nessa leitura, seria letal não só às prerrogativas profissionais da advocacia como um duro ataque aos pilares do Estado de Direito.

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Nesse contexto, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) apresentaram manifestações requerendo o esclarecimento e reconsideração da decisão. Em resposta, o min. Alexandre de Moraes manteve o quanto decidido. Esclareceu, contudo, que não vedou a comunicação entre advogados, mas somente pretendeu “evitar que os advogados sejam usados para levar informações entre os investigados”.

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O episódio há de nos alertar para o fato de que a luta em defesa das garantias fundamentais e das prerrogativas da advocacia há de ser atenta, pronta e permanente. Há alguns anos a Lava Jato performou gravíssimas violações aos profissionais da advocacia que ali desempenharam seus papéis na defesa de investigados e acusados. De escritórios inteiros “grampeados” ao cerceamento de direitos (passando pela arregimentação midiática para desprestigiar equipes defensivas), aqueles foram tempos turvos para a advocacia. Mas ela resistiu, e a há de resistir sempre.

É preciso, entretanto, se despir de predileções políticas e ideológicas e compreender que essa bandeira não pode ser hasteada apenas quando a violação é dirigida àqueles com os quais nos simpatizamos. A propósito, muito bem advertiu Sérgio Leonardo, presidente da OAB/MG, adaptando o poema de Brecht: “Outro dia, impediram uma advogada de despachar um pedido urgente. Mas como a cliente dela era ligada a um grupo político com o qual não simpatizávamos, nós nada fizemos. […] Ontem proibiram os advogados de conversar entre si. Mas como nós não fazemos parte do grupo, nós nada fizemos. Amanhã, se decidirem cercear a minha, a sua, a nossa liberdade, o nosso direito de defesa, o exercício pleno da cidadania em nosso país, pode não ter ninguém mais para nos socorrer, porque nós nada fizemos.” A democracia, antes de tudo, é um exercício de coerência.

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