Desde sempre o papel da maternidade é debatido. Seria o instinto materno natural ou construído?
Elisabeth Badinter, filósofa francesa, no livro “Um Amor Conquistado: O Mito do Amor Materno”, coloca em xeque o senso comum de que o instinto materno é inato à mulher, desmistificando as convenções criadas culturalmente na sociedade. Ao publicá-lo, foi alvo de muitos elogios, mas também de muitas críticas. Não obstante, trouxe à tona um debate necessário, pois, para que seja possível combater as várias formas de opressão que incidem sobre as mulheres, imprescindível que se entenda as formas como os olhares sobre o feminino foram estruturados.
Betty Milan, psicanalista brasileira, autora do livro “Carta ao Filho – Ninguém Ensina a Ser Mãe”, entrevistou Badinter, tendo esta lhe afirmado que “o culto da mãe perfeita é diabólico com as mulheres”. Para ela, o amor é um sentimento como qualquer outro, pelo que não decorre do fato biológico de gerar filho.
De fato!
Decidir sobre a própria vida, especialmente quando se trata da maternidade, é algo que sempre foi retirado da mulher. Como pontuado por Maria Berenice Dias, advogada, doutrinadora familiarista e desembargadora aposentada, as mulheres continuam reféns da visão sacrossanta da maternidade, sendo a maternidade considerada como a sua verdadeira missão, subtraindo-lhe a condição de pessoa capaz de tomar decisões acerca da própria vida. Liberdade? A mulher não a tem sequer para decidir sobre ter ou não filhos. A proibição do uso de métodos contraceptivos e a criminalização do aborto são provas disso, como ela bem pondera. Àquelas mulheres que optam por não ter filhos são lançados olhares estigmatizados, provocam uma certa indignação, moral mesmo, assim como a entrega voluntária de filho para adoção, quando a possibilidade de se fazer escolhas pessoais deveria ser óbvia.
Mas a concepção sacra e idealizada da maternidade, naturalizada por tanto tempo, vem sendo ressignificada, estando no centro do debate sobre gênero.
Uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente em 2017 pode ser vista como um avanço nessa liberdade da mulher, pois permitiu que a gestante ou a mãe entregue o filho para adoção, tratando-se de um mecanismo que protege a criança e a mulher – garantido o sigilo. Não se trata de abandono. Não é crime. Trata-se de entrega legal, de cuidado! Cuidado com a criança, cuidado com a mulher!
Sim, apesar da gestação, por inúmeros fatores (sociais, financeiros, gravidez indesejada, despreparo …), a mulher tem o direito de não querer – ou não poder – ser mãe e pode entregar o filho para adoção. Esse é um ato de amor pela criança, em que pese grande parcela da sociedade ainda enxergar esse ato, lamentavelmente, com preconceito e de forma odiosa.
É imprescindível que se compreenda que a perspectiva biológica de poder gerar e conceber uma criança pode estar desvinculada da perspectiva psicológica de cuidar de uma criança. E não há nada de errado com isso!