Atualmente, a modificação constante do mercado de trabalho exige que o trabalhador apresente um perfil profissional dinâmico e capaz de se moldar às necessidades de momento. Além disso, a crise econômica, a globalização, a diminuição dos empregos formais, as expressivas modificações na legislação trabalhista – especificamente no caso do Brasil – desregulação e flexibilização de várias de suas normas, o aumento do empreendedorismo, dentre outras causas, têm provocado um incremento no labor executado através de tecnologias disruptivas, como a da Uber, por exemplo, que oferece, por meio de aplicativo, serviços sob demanda e que têm por finalidade mediar consumidores que precisam de transporte e motoristas que precisam de trabalho.
Exatamente por estar atento à toda sorte de flexibilização dos direitos laborais implementadas a partir da Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467/17, bem como pela Lei 13.874/19, da Liberdade Econômica, e pela Medida Provisória 905/19, que altera mais de 86 artigos da CLT (a carteira verde e amarela), o setor de inovação tecnológica tem procurado ocupar mais esse espaço, criando novos aplicativos semelhantes ao da Uber, destinados a mediar outros segmentos de prestação de serviços, tais como: entregas, limpeza, beleza, professores, babás, eventos, enfermagem, cuidadores de idosos, dentre outros tantos, promovendo o avanço da chamada “gig economy” ou “uberização”.
Plataformas digitais extremamente bem montadas conseguem atrair milhares de trabalhadores para que lhes cedam sua mão de obra por uma remuneração ínfima, supostamente sob o pálio de uma contratação de trabalho autônomo, normalmente exercido em jornadas extremamente longas e exaustivas, sendo muitas destas atividades laboradas com contornos evidentes de subordinação, hipossuficiência econômica e sujeição aos riscos do negócio. Em decorrência disso, a precarização das condições de trabalho vem ocorrendo perigosamente em prejuízo dos trabalhadores, já que pode ficar oculta sob uma falsa promessa de poder servir para ocupar um tempo ocioso ou como uma alternativa de trabalho, por exemplo, tendo o trabalhador a sua atividade virtualmente controlada e determinada a ser realizada nos moldes e nas metas da empresa que detém a plataforma digital de intermediação, sob pena de vir a ser desligado.
No Brasil, não existe um levantamento específico acerca do tamanho da “uberização” do trabalho. No entanto, certamente parte desse contingente está inserida atualmente entre os 11,5 milhões de trabalhadores informais do país, segundo o IBGE. Principal representante da economia de compartilhamento, a Uber possui em torno de 600 mil motoristas cadastrados no país. Neste contexto, também chama a atenção um estudo recente da Associação Aliança Bike, que mostra que existem cerca de 30 mil ciclistas na cidade de São Paulo que trabalham como entregadores para aplicativos de internet, tendo eles um perfil de jovens, entre 18 e 27 anos, das periferias da cidade e que chegam a trabalhar em média até 12 horas por dia, durante os sete dias da semana, auferindo uma remuneração média de R$ 936 mensais.
Números assim mostram que esse tipo de relação de trabalho veio pra ficar e tende progressivamente a aumentar. Exatamente em função disso, é necessário que se atente para o fato de que, em um futuro próximo, inúmeros trabalhadores poderão estar prestando seus serviços às referidas plataformas digitais sem qualquer vínculo de emprego e proteção trabalhista e previdenciária, o que evidencia que questões desta natureza não podem ser deixadas ao livre comando do mercado, sob pena de se verem materializados graves prejuízos aos direitos laborais mais básicos dos trabalhadores. Em verdade, o desafio que se afigura de agora em diante para todos os atores envolvidos neste processo, inclusive os tribunais é, no mínimo, o de garantir a proteção à dignidade da pessoa do trabalhador e a função social da empresa, devendo o poder público agir com presteza e agilidade no sentido de urgentemente regulamentar a atividade, bem como os recolhimentos tributários e previdenciários.