Muitos têm dito que nossa democracia, embora adolescente, ‘respira por aparelhos’. Já assim vocalizaram o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto, o também cientista político e sociólogo Luiz Felipe Miguel, o diretor de cinema e roteirista Karim Aïnouz – entre tantos outros.
Mas há razão nessa metáfora?
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, cientistas políticos americanos e professores na Universidade de Harvard, são autores do best-seller “Como as democracias morrem”, publicado originalmente em janeiro de 2018. No Brasil, a obra é editada pela Zahar, com tradução de Renato Aguiar.
Trata-se de estudo que buscou compreender como a eleição de Donald Trump se tornou possível nos Estados Unidos. Para isso, os professores percorrem ‘cases’ de ruptura democrática dos últimos cem anos mundo afora.
A certa altura, os autores propõem “um conjunto de quatro sinais de alerta que podem nos ajudar a reconhecer um (político, candidato ou governante) autoritário” em qualquer contexto. São eles (p. 33/35):
1. Rejeição das regras democráticas do jogo: O político em foco expressa disposição em violar a Constituição, adotar medidas antidemocráticas, suspender eleições? Profere discursos golpistas (militares ou paramilitares), insufla insurreições armadas ou protestos em massa? Tenta minar a legitimidade das eleições, recusando-se a aceitar resultados?
2. Negação da legitimidade dos oponentes políticos: O político em questão descreve oponentes como subversivos, como uma ameaça à segurança nacional ou aos costumes? Se refere a seus rivais como criminosos, os deslegitimando politicamente? Sugere que seus adversários seriam agentes estrangeiros, trabalhando em aliança com nações estrangeiras ‘inimigas’? Trata seus antagonistas sob a lógica do ‘inimigo’, e não do adversário político?
3. Tolerância ou encorajamento à violência: O político sob análise tem quaisquer laços com gangues armadas, forças paramilitares, milícias, guerrilhas ou outras organizações envolvidas em violência ilícita? Patrocinou ou estimulou ele próprio ou seus partidários ataques de multidões contra oponentes? Endossou tacitamente a violência de seus apoiadores, recusando-se a condená-los e puni-los de maneira categórica? Elogiou (ou se recusou a condenar) outros atos significativos de violência política no passado ou em outros lugares do mundo?
4. Propensão a atingir liberdades civis de oponentes, inclusive a mídia: O político em tela ameaça tomar medidas legais ou outras ações punitivas contra seus críticos em partidos rivais, na sociedade civil ou na mídia?
Os ‘sinais de alerta’ de Levitski e Ziblatt, se não conduzem à conclusão de que nossa democracia ‘respira por aparelhos’ (e esta é, sim, é uma conclusão bastante razoável), certamente indicam que ela não anda esbanjando saúde.
Os meses que se avizinham, ao que tudo indica, submeterão nosso legado democrático à sua prova maior nesses últimos 34 anos.
O pulso ainda pulsa, mas “é preciso estar atento e forte”.