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Enfim, o juiz de garantias

coluna thiago almeida
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Na semana que se encerrou foi retomado o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, que versam sobre o importante instituto do juiz de garantias.
Em verdade, em que pese muito se refira ao juiz de garantias como “novidade” trazida pela Lei 13.694/19 (apelidada “Pacote Anticrime”), de novidade não se cuida – a não ser o nome.

Em essência, trata-se de juiz incumbido de atuar, durante a fase investigativa da persecução penal, na tutela de direitos e garantias individuais dos indivíduos expostos à atividade inquisitiva. Na prática, todas as medidas de cariz restritivo/invasivo aos direitos fundamentais dos investigados – como prisões, interceptações de comunicações telefônicas, quebras de sigilo de dados telemáticos, de sigilo bancário, fiscal, medidas de busca e apreensão etc. -, por se sujeitarem à chamada “reserva de jurisdição”, só podem ser determinadas por este juiz (das garantias), a pedido da autoridade investigativa competente.

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Ocorre que o desempenho dessa função não é novidade, eis que desde que o Código de Processo Penal fora editado e entrou em vigor (em 1942) já tínhamos ali delineado um perfil de processo penal e de investigação criminal que condicionava essas injunções ao crivo de uma decisão judicial – ainda que a lei processual jamais houvesse rotulado esta figura de “juiz de garantias”.

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Isso não significa dizer, entretanto, que a Lei 13.964 não tenha trazido importante modificação. Promoveu-se impactante transformação na lógica processual com a inserção do art. 3º-D ao Código de Processo Penal: “Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo.”

om atraso de muitas décadas em relação ao que já ocorre em praticamente todos os países mundo afora (latino-americanos, inclusive), finalmente passamos a impedir que juízes que tenham atuado na fase investigativa (nos moldes descritos) sigam operando na fase processual. E isso é absolutamente essencial a qualquer processo penal que pretenda garantir assento num regime democrático constitucional.

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Isso porque há um comprovado processo de contaminação psicológica do juiz que atua em fase investigativa. Em termos bastante simples: o magistrado que é, na fase da investigação (anterior ao processo, portanto), chamado a decidir sobre temas como prisões cautelares, quebras de sigilo, medidas de busca e apreensão (etc.) tem que elaborar, até mesmo para decidir, um juízo antecipado sobre a existência do crime e sobre indícios de autoria.

Por força do que a psicologia denomina de “dissonância cognitiva”, haverá, a partir daí, um viés de confirmação, ou seja uma inclinação natural do julgador em confirmar a materialidade e autoria que o levaram, por exemplo, a decretar uma prisão na fase pré-processual. O resultado é que desaparece, nesse cenário, qualquer expectativa de um julgamento imparcial, justamente em razão dos “prejuízos decorrentes dos pré-juízos” (Aury Lopes Jr.).

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Ocorre que desde janeiro de 2020 essa importante transformação está suspensa por força de liminar concedida pelo ministro Luiz Fux nas citadas ações (e que só agora é submetida ao colegiado). É (mais que) tempo, portanto, de rumarmos na direção do fortalecimento do devido processo penal com a valorização daquela que, de há muito, os europeus apelidam de “princípio supremo do processo”: a imparcialidade.

Com a palavra, enfim, o STF.

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