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A(s) família(s) em desordem

coluna marcela morales
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No dia 1º de setembro desse ano, o site do TJ-RS divulgou decisão proferida pelo juiz da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Novo Hamburgo que reconheceu a união estável poliafetiva entre um homem e duas mulheres (um trisal). E mais: como uma das mulheres está grávida, definiu que os nomes dos três genitores constem no registro de nascimento da criança.

Quando terminei de ler essa notícia, pensei imediatamente no instigante ensaio “A família em desordem” (Editora Zahar, 2003), escrito pela historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco.
Você consegue imaginar uma palavra que sofre com uma desordem conceitual tão incessante quanto a palavra “família”? Afinal, o que significa “família”? Se você respondeu algo como “família = pai + mãe + filhos”, não posso afirmar que você está errado – mas posso afirmar que a sua resposta está muito incompleta! Mudanças sociais recentes começaram a questionar esse conceito de família nuclear ou tradicional: o casamento deixou de ser visto como algo eterno; a maternidade é adiada para que o desenvolvimento pessoal e profissional ganhe prioridade; o número de filhos diminuiu, inclusive com famílias que decidem por não ter filhos; entre outras. Como resultado, testemunhamos nas últimas décadas o surgimento de uma profusão de novas configurações familiares.

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Seria essa desordem conceitual algo a ser evitado? Na minha opinião, não! Aqueles que aí enxergam uma ameaça às famílias estão equivocados. Ninguém quer extinguir as famílias; ao contrário, o que se busca é a inclusão. O que se busca é o reconhecimento social e jurídico das diversas manifestações familiares que não estão incluídas na tradicional noção de “pai + mãe + filhos”. Não existe família; existem famílias. Olhando sob esse prisma, percebemos que a desordem é natural quando falamos sobre famílias, pois esse é um conceito em constante construção. Daí falarmos hoje, além da família tida como tradicional ou nuclear, de famílias monoparentais, multiparentais, homoparentais, recompostas, desconstruídas e (por que não?) poliafetivas.

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Infelizmente, o Direito brasileiro demora a se adaptar às mudanças sociais, especialmente no Direito de Família. Cito alguns exemplos: o divórcio só foi legalizado em 1977; o termo “pátrio poder” estava presente no Código Civil até 2002, quando foi substituído por “poder familiar”; nos primeiros anos do atual século ainda discutíamos a “culpa” pelo fim das relações conjugais; a união estável homoafetiva só foi reconhecida em 2011. Diante desse cenário de morosidade, a decisão citada no primeiro parágrafo desse texto está na vanguarda do Direito brasileiro – e vai, inclusive, na contramão dos entendimentos dos tribunais superiores. Para o STJ, a união estável poliafetiva não é reconhecida como entidade familiar.

Mas, talvez, a recente decisão proferida em Novo Hamburgo pode significar o primeiro passo para um novo entendimento. Apesar de toda a desordem conceitual e da multiplicidade de configurações familiares existentes, podemos encontrar, em todas elas, um ponto em comum: o afeto e a liberdade individual. Se existe afeto entre duas ou mais pessoas e todas elas estão inseridas nessa relação por sua livre e espontânea vontade (e nenhuma lei é violada), por que negá-las o reconhecimento enquanto família?

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