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Questão dos precatórios: estão discutindo política e esquecendo dos possíveis prejudicados diretos

coluna estefânia rossignoli
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Há cerca de um mês, o ex-governador Ciro Gomes concedeu uma entrevista em rede de televisão e depois publicou um vídeo em redes sociais denunciando o que chamou de maior escândalo de corrupção da história brasileira. A partir daí, a discussão ficou presa ao campo político, acirrando ainda mais a polarização que estamos vivenciando nos últimos anos. Porém, se nos aprofundarmos um pouco no assunto, é possível fazer uma reflexão: será que o caso apresentado não seria uma discussão meramente do campo privado? Os reais prejudicados não seriam apenas os cidadãos que venderam seus títulos? Vamos aos fatos.

Quando alguém entra com um processo judicial contra o Governo federal e ganha a causa, gerando um valor de recebimento de mais de 60 salários mínimos, este pagamento deverá ser feito através do precatório. Este nada mais é do que um título representativo do crédito, e o seu pagamento deve entrar da lei orçamentária federal. No final do ano de 2021, governo executivo federal e o Congresso Nacional aprovaram emenda à Constituição para não pagar os precatórios que deveriam entrar no orçamento de 2022, e então os credores (pessoas físicas ou jurídicas com causas ganhas na justiça) passaram a ter um documento representativo de crédito, sem previsão de recebimento. Neste contexto, qualquer crédito pode ser negociado e vendido, através da operação chamada de cessão de crédito. Até aí nada de errado.

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No final de 2023, ao apresentar a lei orçamentária, o Governo federal incluiu o pagamento dos precatórios que foram retirados do orçamento de 2022 e então houve a notícia de que eles seriam pagos em 2024. O que o ex-governador está denunciando é que em 2023, antes da lei orçamentária ser apresentada, alguns bancos procuraram os credores dos precatórios e compraram os títulos, oferecendo pagar, em média, 50% do valor. Por exemplo: uma pessoa que tinha R$ 100 mil para receber no precatório, vendeu por R$ 50 mil para o banco e este, cerca de um ano depois, recebeu o valor integral de R$ 100 mil. O que Ciro Gomes alega é que os bancos foram informados pelo Governo federal que este iria fazer o pagamento dos precatórios e, com essa informação privilegiada, eles compraram os títulos já sabendo que iriam receber pouco tempo depois.

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A discussão então descambou para o campo político com a acusação de que o governo preferiu dar dinheiro aos bancos do que gastar com as necessárias políticas públicas de saúde, educação, segurança, etc. Mas o dinheiro não poderia ser utilizado para tais gastos, já que é uma verba que somente poderia ser direcionada para o pagamento dos títulos judiciais. Caso tenha de fato ocorrido o vazamento das informações, estamos esquecendo dos verdadeiros prejudicados, que são os credores originários dos precatórios que venderam seus títulos ENGANADOS pelos bancos.

A venda dos títulos foi um negócio jurídico privado, não envolvendo, juridicamente falando, qualquer questão relativa ao Governo federal. E nas relações particulares, as partes precisam observar a boa-fé, que não se resume apenas a responder quando for perguntado. Se os bancos possuíam a informação de que o pagamento dos precatórios entraria na lei orçamentária de 2024 e procuraram os credores escondendo tal informação, fica configurado o dolo por omissão, previsto no art. 147 do Código Civil. O texto de lei diz o seguinte: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.” Ora, se os credores tivessem a mesma informação que os bancos de que o precatório seria pago em 2024, não aceitariam vender, pelo menos pelo preço que foi acordado. Havendo dolo, o negócio deve ser anulado, e a venda do crédito cancelada. Os credores restaurariam o direito de receber a integralidade do crédito. Esse é o ponto.

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É preciso investigar se de fato houve o vazamento da informação para que os reais prejudicados busquem seus direitos, mas infelizmente a situação está sendo utilizada para mais uma briga política. Não se sustenta a afirmação que foi perdido dinheiro público. Quem perdeu foi quem vendeu o título, e mais uma vez os bancos lucraram. Caso a acusação seja verdadeira, é preciso fazer justiça para os cidadãos lesados.

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