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A República Inacabada

coluna bruno stiger
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Começamos tarde. Somente em 1808 – trezentos anos após o descobrimento – com a chegada da família real, teve início verdadeiramente o Brasil. Éramos colônia de uma metrópole em decadência. A ciência e a medicina estavam condicionadas às aspirações religiosas. A economia era extrativista e mercantilista, em plena efervescência da Revolução Industrial.

Da chegada de Tomé de Souza, em 1549, munido do seu famoso Regimento do Governo até 1808, o caminho foi construído só de desvios. Tínhamos ouvidor-mor, provedor-mor, clero etc. Mas não tínhamos povo. Foi este, na verdade, o primeiro ato de uma longa série de eventos em que começamos pelo fim, numa incontida impaciência de colher os frutos antes de plantar as árvores, como bem dizia Alceu Amoroso Lima.

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Não paramos por aí. Em 15 de novembro de 1889, fundamos uma República nunca acabada com um golpe, dando início a sucessivas quebras da legalidade constitucional. Oito Constituições é o saldo!

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Passaram-se 180 anos desde a chegada da família real até a promulgação da Constituição brasileira de 1988, o começo verdadeiro. Nesses quase dois séculos de história constitucional, há muito que comemorar, mas ainda estamos distantes de uma consciência republicana, no melhor sentido do termo. Um Governo feito, pensado e dirigido para/pelo povo.

Infelizmente, o Brasil se formara às avessas, começara pelo fim. Tivera Coroa, antes de ter Povo. Tivera parlamentarismo, antes de ter eleições. Tivera escolas superiores, antes de ter educação popular. Tivera bancos, antes de ter economias. Tivera artistas, antes de ter arte. Tivera conceito exterior, antes de ter consciência interna. Fizera empréstimos, antes de ter riqueza consolidada. Aspirara à potência mundial, antes de ter a paz e a força interior.

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Dessa tradição carente de consciência republicana, temos a materialização do não republicanismo no “homem cordial”, termo cunhado por Sérgio Buarque de Holanda. Para o pensador brasileiro, esse “sujeito” possui uma característica excêntrica no seu modo de ser: a cordialidade, movendo-se pela emoção, sendo incapaz de diferenciar entre o público e o privado, adverso às formalidades, subjugando ética, impessoalidade e moralidade. Tais características antropológicas podem ser conferidas a um contraditório estilo emocional do cidadão brasileiro que fez brotar e disseminar uma histórica habilidade a caminho da informalidade, havendo somente imposição de uma lei e de uma ordem considerada artificial, quando não desonesta, a favor dos interesses das elites políticas e econômicas de então.

Na vida cotidiana, tornou-se comum ignorar as leis em favor das amizades. Desmoralizadas, incapazes de se imporem, as leis não possuem tanto valor quanto, por exemplo, a palavra de um “bom” amigo; além disso, o fato de afastar as leis e seus castigos típicos é, por vezes, prova de boa vontade e um gesto de confiança, o que favorece boas relações de comércio e tráfico de influência. Um adágio secular traduz bem issso: “Aos inimigos, as leis; aos amigos, tudo”. A informalidade era – e ainda é – uma forma de se preservar o indivíduo. Sob o verniz da Constituição, mantemos e alimentamos o patrimonialismo, o desprezo pelos direitos fundamentais, e – maior das chagas da história nacional – a corrupção.

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Neste 15 de novembro, não temos muito o que celebrar! Mensalões, lava-jatos, amizades com milícias, filhos nomeados para cargos políticos que deveriam ser ocupados por pessoas com méritos, vizinhos suspeitos, malas e cuecas com dinheiro suspeito, enfim, uma naturalização do desprezo pela coisa pública. Sigamos, porque, se chegamos até aqui, com todos esses tropeços, podemos chegar no final triunfantes, com país para toda sua gente!

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