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De quem é a última palavra?

coluna carlos eduardo paletta
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A atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) é um desses temas recorrentes de combustão das paixões políticas. De polêmica em polêmica, não atentamos para as importantes questões que podem ser levantadas sobre nossa Corte maior, algumas delas tão profundas e antigas que mostram não haver nada de novo nos problemas que enfrentamos.

Thomas Hobbes (1588-1679), notório defensor do poder absolutista, utilizou seu rigor lógico para dizer que o soberano absoluto, por criar leis e restrições aos súditos, não deveria estar restringido por nenhuma força acima dele. Quem comanda não pode ser comandado – algo que, na sua visão, era positivo. Hobbes rejeitaria as constituições modernas, pois qualquer órgão criado para controlar o soberano acaba se tornando, ele mesmo, o poder supremo, caindo num argumento de regresso infinito: se há lei que restringe o governante, o juiz que aplica essa lei torna-se o soberano em seu lugar, devendo então haver um segundo juiz para controlar anterior e assim sucessivamente. O chamado “problema de Hobbes” é, no fim das contas, de dificílima solução: quem controla o controlador? Onde colocar o ponto final, aquele que dá a última palavra numa comunidade política?

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Toda vez que nos vemos diante de decisões finais e irrecorríveis do STF, estamos revivendo aquela questão ancestral. É o Judiciário dando a última palavra. Para alguns, em vez dos juízes, os militares seriam esse órgão controlador final, o terminus ultimus de Hobbes, colocando fim às controvérsias pela força das armas. A solução democrática é bem diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, foi criada uma separação tal de poderes que, mesmo sem dinheiro nem armas, o Poder Judiciário tem a palavra final sobre atos dos outros poderes. Lembrando a famosa tirada de Robert Jackson, que atuou como juiz na Suprema Corte americana, “nós [os ministros] não somos os últimos porque somos infalíveis, mas somos infalíveis porque somos os últimos”.

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Tudo estaria bem, não fossem os inúmeros problemas da prática, sendo o mais importante deles o levantado pelo famoso cientista político Robert Dahl: quanto maior a autoridade do Judiciário, menor o espaço para a autoridade do povo e de seus representantes, ou seja, mais os juízes devem assumir a função de criar legislação e cursos de ação política.

Como não identificar aí a origem da inquietação diante do STF, que parece “criar legislação” onde não deveria? Ocorre que muitos fatores concorrem para isso. Além de deixar ao Supremo o encargo de cuidar de uma Constituição minuciosa com 250 artigos (!), convivemos com teorias jurídicas que defendem, em vez da moderação, um ativismo judicial para lá de criativo. Sofremos também com uma vida social cada vez mais sujeita à judicialização. Não nos esqueçamos: o Judiciário só age quando provocado e nós, como sociedade, estamos o provocando demais. O problema, portanto, não está só lá no topo. Há a chamada tempestade perfeita: um texto constitucional que avança sobre praticamente todas as esferas da vida; teorias que pregam o ativismo judicial, como se o juiz tivesse a régua moral universal; e uma comunidade que abandona outros tipos de interação para resolver suas disputas somente pela via judicial.

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Cada vez que abrimos mão da boa política, cada vez que transformamos o convencimento e a persuasão em petições, arrazoados e apelações, estamos renunciando ao processo democrático, ao diálogo e alimentando justamente o defeito que adoramos criticar. Os 11 do STF, por seu turno, frequentemente esquecem que formam um colegiado e, às vezes em decisões individuais, tornam-se o terminus ultimus de uma nação inteira. E assim, em meio a esse fogo cruzado, como súditos de soberanos confusos, vaidosos ou truculentos, vamos percebendo que nossa falta de maturidade institucional, pela qual somos também culpados, alimenta a eterna instabilidade que tanto nos desanima e atrasa.

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