Não, este não é mais um texto óbvio que tratará do recorde brasileiro no quadro de medalhas nas Olimpíadas de Tóquio apesar do cenário de progressivo desincentivo ao esporte dos últimos cinco anos. Também não tratarei aqui do fato de grande parte dessas 21 medalhas brasileiras terem sido conquistadas por nordestinos(as) e por pessoas negros(as), em um país que faz questão de transformar o ódio racial e regional em discurso oficial.
O que leva esse texto às Olimpíadas é um post do Twitter que vi na última semana dos jogos olímpicos que dizia da seguinte forma: “final do vôlei de praia Noruega e Rússia se vc não acredita no aquecimento global vc não viu os sinais” (a postagem se refere à final do vôlei de praia masculino).
Para além da evidente frustração deste amante do vôlei de praia pelo Brasil não ter ganhado nenhuma medalha neste esporte tão tradicional, achei a associação realizada pela pessoa que fez a postagem (@fillcarvalho) repleta de sarcasmo e capaz de produzir uma importante reflexão.
É evidente que o fato da Noruega e da Rússia possuírem bons jogadores de vôlei de praia não tem relação de causa e efeito direta com o aquecimento global ou com as mudanças climáticas, no entanto, enquanto estes países disputavam a final olímpica no Japão sob um sol de 40 graus, o Brasil passava por frente fria histórica, que levou neve pela primeira vez a algumas cidades do estado de São Paulo e derrubou as temperaturas por todo o centro-sul do país. Em Juiz de Fora a temperatura mínima chegou a 4 graus em alguns dias.
Não é de hoje que o debate climático tem ocupado o centro dos holofotes na política mundial. Desde o princípio de 2021, com a convocação por Joe Biden – presidente estadunidense – da Cúpula de Líderes sobre o Clima, e com os preparativos para a COP 26, que ocorrerá em Glasgow em novembro, que há a criação de um cenário de pressão pública para o avanço da agenda climática.
No entanto, é durante a ocorrência de eventos climáticos extremos, como a frente fria que atingiu o Brasil há 15 dias, que é possível ver os efeitos nefastos das mudanças climáticas, e quem são as principais vítimas delas.
Ao tratar da questão ambiental e climática é fundamental compreender que os seus impactos atingem de forma e com intensidade desiguais os diferentes grupos sociais. A dinâmica estrutural de exclusão e opressão de raça, classe, gênero e sexualidades se articula com a própria concepção do que é a justiça climática.
Uma análise superficial das vítimas de graves eventos ambientais e climáticos no decorrer dos anos – como o Furacão Katrina em Nova Orleans nos Estados Unidos, ou o Furacão Maria em Porto Rico, ou a frente fria deste ano – nos permite perceber que sua composição consiste de pessoas em situação de vulnerabilidade, pessoas negras, em situação de pobreza, LGBTTQIAP+.
O cenário de vulnerabilidade se repete nas estatísticas de desemprego, de precarização no trabalho, da população em situação de rua, das habitações sem saneamento básico e/ou próximas a empreendimentos de alto risco ambiental.
Não é coincidência que haja sobreposição destes quadros. No ano de 2021 já são 17 pessoas em situação de rua que foram mortas pelo frio (ou pela omissão do Estado) somente na cidade de São Paulo.
Enfim, é preciso compreender que não é mais possível ignorar a emergência da crise climática e que este debate não possui relevância somente a nível global, mas necessita de políticas públicas da administração das esferas municipal, estadual e federal comprometidas com a superação das desigualdades estruturais de diversas ordens.