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Lula é inocente ou ‘descondenado’?

coluna thiago almeida
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Advertência: esse não é um texto recomendável para quem não tenha desprendimento para refletir de forma desapaixonada sobre um problema de índole constitucional. Portanto, ao leitor que já esteja visceralmente comprometido com uma resposta para a indagação que encabeça esta coluna – e, sobretudo, determinado a mantê-la independentemente de qualquer perspectiva racional que se lhe apresente -, recomendo que não desperdice seu tempo com as linhas que virão. Do contrário, convido a uma breve reflexão.

O status de ‘culpado’ ou ‘inocente’ do ex-presidente Lula (ou de qualquer pessoa) resulta de uma premissa objetiva, a presunção de inocência: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Constituição de 1988, art. 5º, LVII).

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Primeira conclusão: a inocência (do ex-presidente Lula ou de qualquer pessoa) não é uma outorga judicial. Somos inocentes por força de uma norma constitucional, e preservamos esse estado de inocência até que transponhamos o marco de transição para outro status (o da culpa): o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

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“Mas se o ex-presidente foi condenado por várias instâncias e não foi ‘inocentado’ pelo STF, como afirmar sua inocência?”

O fato de o ex-presidente Lula (ou qualquer pessoa) já ter sido condenado, tendo sua sido sua condenação anulada por decisão do STF, o coloca (ou a qualquer pessoa), num ‘lugar’ diferente da inocência? Seria ele, como se tem dito, um ‘descondenado’, e não alguém ‘inocente’ (na acepção jurídica da expressão)?

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Sem ingressar na (importante) discussão sobre as (relevantes) razões que levaram o STF a anular a condenação de Lula (suspeição e incompetência do juiz Sérgio Moro), basta compreender que quando se anula um ato processual, isso não decorre de mero capricho do tribunal, mas da constatação de que a lei (ou a Constituição) foi violada.

No final de 2021, o STJ, anulou decisões contrárias a Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas” por entender que o juiz que até então conduzia o caso era incompetente. No caso do ex-presidente Lula, além da incompetência do juiz Sérgio Moro, sua suspeição (ausência de imparcialidade) também resultou na anulação do processo. É certo que para esses dois acusados – e para qualquer pessoa – atos processuais foram anulados porque praticados em desacordo com a lei. No Estado de Direito, não pode um juiz querer fazer valer a lei sendo, ele mesmo, um fora-da-lei. Se é um fora-da-lei, o que ele faz não tem (e não pode ter) valor jurídico.

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E se a sentença condenatória for anulada? Temos um ‘descondenado’ ou um inocente?

Por tudo que se disse, diferenciar inocentes (no sentido jurídico) e ‘descondenados’ é um disparate. No imaginário social, esse bizarro neologismo (‘descondenado’) pode cumprir algum papel, pode até se prestar a algum sofisma nos renhidos debates políticos desses dias hostis, mas não tem abrigo na Constituição.

Isso vale para Lula, para Flávio ou qualquer pessoa.

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