Um dos princípios que norteiam os Processos Judiciais Cíveis é o da Patrimonialidade, conforme o exposto no Art. 789 do Código de Processo Civil: “O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
Diante de uma demanda judicial, o autor pode buscar, por parte do réu, uma obrigação de pagar e, mesmo das demais obrigações, fazer e entregar coisa, o não cumprimento da ordem judicial pode evoluir para a busca de um valor visando a devida reparação, o que chamamos de tutela substitutiva.
O que me leva a escrever este artigo são as notícias do aumento do desemprego decorrentes da Covid-19, o que só vai agravar o elevado número de processos judiciais atualmente suspensos por falta de bens do devedor, já que nem todo o seu patrimônio é sujeito à apreensão judicial. O Judiciário vem decidindo, nos últimos anos, em respeito às limitações impostas à apreensão patrimonial, até mesmo prestigiando um outro princípio, o da menor onerosidade (a execução precisa ser menos gravosa para o devedor), mas em atenção à necessária efetividade que se busca do Estado Juiz.
Em recente decisão em que se discutia a penhora do “Bem de Família”, impenhorabilidade prevista na Lei 8009/90, em situações não previstas como exceção na própria Lei, como exemplo, para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar, o STJ, prestigiando o princípio da boa-fé, deferiu a apreensão judicial em relação a imóvel que foi dado em garantia pelo próprio devedor e, posteriormente, alegou impenhorabilidade. Afastou-se a tese do devedor com a seguinte fundamentação da Ministra Nancy Andrighi (REsp 1782227): “Não se pode olvidar da máxima de que a nenhum é dado beneficiar-se de sua própria torpeza, isto é, não pode o devedor ofertar bem em garantia que é sabidamente residência familiar para, posteriormente, vir a informar que tal garantia não encontra respaldo legal, pugnando pela sua exclusão”.
Quando falamos da impenhorabilidade dos salários, com exceção para pagamento de prestação de alimentos bem como às importâncias excedentes a 50 salários-mínimos mensais, utilizando o princípio da razoabilidade, o STJ, relativizando tal regra, em decisão publicada em 25 de março de 2020, tendo como relator o ministro Raul Araújo (REsp 1838131), determinou a penhora de um percentual do salário bruto do devedor para o pagamento de aluguéis, “de modo a garantir a efetividade do processo, sem afrontar a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família”.
Como novidade da Lei Processual Civilista, o inciso IV do seu Art. 139 autoriza ao juiz adotar medidas de eficácia, indutivas, coercitivas, mandamentais, “necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”, o que levou em recentes decisões ordens judiciais para a suspensão da habilitação do veículo automotor ou do passaporte do devedor, decisões que estão sendo objeto de reflexão e muitas vezes revisão por parte do STJ, quando não aplicadas com proporcionalidade e adequação ao caso concreto.
A Covid-19 certamente vai aumentar o percentual de inadimplência contratual, o que levará a uma atuação do Judiciário na busca de uma tutela efetiva, para que o credor não tenha a sensação de “nadei, nadei e morri na praia”, mas a ponderação do razoável, a aplicação do Direito como uma Ciência Social e, principalmente, a utilização de técnicas como mediação e conciliação, serão procedimentos imperiosos para que as partes alcancem a tutela eficaz e justa.