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Ensaio sobre a pandemia: necropolítica em tempos de coronavírus

coluna luiz carlos
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Em tempos de pandemia da Covid-19 e de isolamento social, constantemente sou levado ao cenário criado por Saramago na sua brilhante obra “Ensaio sobre a Cegueira”, na qual uma “epidemia” de cegueira se espalha indiscriminadamente cegando a todos, menos a uma mulher.

Não consigo deixar de olhar a situação pela qual passamos atualmente e não comparar ao hospício descrito por Saramago como o local de destino dos cegos em seu ensaio – mais uma vez a vida imita a arte.

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Assim como a cegueira saramaguiana, o coronavírus não faz distinção no seu contágio, contamina a todos e todas, independente de raça, classe, gênero e orientação sexual, ou seja, o vírus não discrimina.

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No entanto, o comportamento social dos Estados e das sociedades, este sim é capaz de produzir dinâmicas de diferenciação nos mais diferentes níveis, e trarei alguns exemplos:

Na Itália, a média de idade dos mortos pela Covid-19 é de 79,5 anos de acordo com levantamento realizado pela Agência France Presse na segunda quinzena de março. A Itália é um país com grande número de idosos, forte Estado de bem-estar social e ampla cobertura de serviços públicos.

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No Brasil, a média de idade dos pacientes em estado grave por Covid-19 está entre 47 e 50 anos – apesar de mais de 80% das mortes serem de maiores de 60 anos. As causas são diversas para a diminuição da média de idade para além dos constantes desinvestimentos nas políticas sociais e no campo da saúde.

Achille Mbembe, filósofo camaronês, desenvolveu o conceito de necropolítica, que compreende as formas de subjugação da vida ao poder da morte – diretas ou indiretas. Essa categoria nos ajuda a entender porque determinadas pessoas estão mais expostas do que outras ao perigo do corona no Brasil e em outros países do sul global.

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A Covid-19 é um vírus que ataca as vias respiratórias, e, no Brasil, possuímos taxas elevadas de tuberculose. Na cidade do Rio de Janeiro, as taxas são de 75/100 mil. Em comunidades como a Cidade de Deus e Rocinha, a taxa chega a 300/100 mil. Dentro dos presídios, a taxa pode chegar a 2.500/100 mil.

A principal medida de combate à disseminação do vírus é o isolamento social e a higiene das mãos, no entanto, 48% da população brasileira não possui instalações de saneamento básico adequadas, compreendendo fornecimento de água tratada e recolhimento de esgoto. E o isolamento social pressupõe a possibilidade de trabalhar de casa ou ter condições de se locomover para o seu trabalho evitando aglomerações, o que não é possível para a parte mais precarizada e pauperizada da população, e essa população tem raça e tem cor.

Segundo dados do IBGE, entre os 10% mais pobres, 78,5% são negros e negras; dos desempregados, 65% são negros e negras; e dos que possuem emprego, os negros e negras ocupam cargos que possuem menores salários e que possuem maior fragilidade e precariedade em suas funções.

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Retomando a Necropolítica de Mbembe, é fácil perceber que o Estado brasileiro tem subjugado a vida de grande parcela da população ao poder da morte há muitos anos pelo abandono. Basta olhar para as favelas e periferias urbanas: população majoritariamente negra.
No ensaio sobre a pandemia, todos estão cegos/contaminados, mas uns sofrem mais que outros; as vidas de uns continuam valendo mais que as vidas de outros e a carne mais barata do mercado continua sendo a carne negra.

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