Na década de 1980, a banda de rock Nenhum de Nós se projetou no cenário nacional com o hit Camila, do seu primeiro álbum. Esta música tem um significado muito forte exatamente por trazer à baila um tema tão tristemente nevrálgico e corriqueiro em nossa sociedade que é a violência doméstica e a violência contra as mulheres.
Ali a banda retrata um relacionamento abusivo vivido pela personagem Camila, menina de apenas 17 anos, aterrorizada e submetida por seu namorado/companheiro à violência psicológica e física, claramente fragilizada e sem saber como reagir ao que sofria, triste com sua imagem projetada no espelho, com vergonha das marcas físicas e emocionais causadas pelo seu agressor…
A composição, apesar de ser uma ficção, foi escrita com base em uma história real de uma colega dos músicos, da época do ensino médio, que vivia um relacionamento abusivo. Esta “Camila”, pelo menos na música, não morreu. Porém, quantas de nós não têm morrido por aí?
Aqui no mundo real, cada vez mais essa verdadeira tragédia social aumenta perigosa e assustadoramente e nosso Estado permanece inerte. E não é por falta de alertas cotidianos e muito menos de uma radiografia estatística a ilustrar escandalosamente a urgente e inadiável necessidade de adoção de medidas enérgicas e efetivamente capazes de estancar essa sangria desumana e cruel.
Segundo levantamento do 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, só em Minas Gerais, em 2021 foram registrados 154 casos de feminicídio em todo o estado. Em comparação a 2020, Minas teve o aumento de três ocorrências. O percentual de feminicídios em relação aos homicídios de mulheres é de 36,8% (de 419 casos), em 2021. Já em 2020 o percentual foi de 34,6% (de 437 casos). Carregamos hoje o vexatório título de estado que mais mata mulheres no Brasil, que é um dos primeiros países neste ranking pavoroso, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A realidade fala por si mesma e contra fatos, logicamente não há argumentos. Estamos sendo mortas diariamente em números inomináveis – mulheres, jovens e meninas, todas mortas unicamente por serem do sexo feminino. Que primitivismo social é esse que nos cerca? Até quando as Marias, Laras, Bárbaras, Joanas e outras tantas mais permanecerão a morrer vítimas de um Estado covarde que a tudo assiste impassivo, incapaz de chamar pra si a responsabilidade de extirpar do seu seio uma mácula tão abjeta?
Ora, mas temos uma lei modelo que cuida de nossas mulheres, como a Lei Maria da Penha. Será? Apesar de ser um precioso instrumento, vê-se com facilidade que apenas ela não é capaz de refrear o impulso insano dos agressores. Não tenho aqui o objetivo de apresentar a solução, mas, como mulher, tenho todo o direito de clamar por socorro e bradar com toda força do meu ser um grito de basta a esse morticínio cotidiano, rotineiro, que tanto mal, medo e revolta causa a todas nós. Isso precisa parar!!
“Nenhuma de nós” merece passar pelo que “Camila” conta na música. Não merecemos viver “chorando e esperando amanhecer”, muito menos sentir medo das mãos e do olhar “que o ódio cega”, justamente daqueles que deveriam nos amar e serem sinônimo de companheirismo e compreensão.
Fica aqui este grito doído de socorro, não só meu, mas de todas as mulheres, para que sejamos ouvidas e urgentemente atendidas no mais lídimo direito fundamental que nos assiste: a vida!
Nos deixem nascer, crescer e viver em paz!!