No último dia 26 de outubro, o STF, por maioria de votos, entendeu que a execução extrajudicial nos contratos de alienação fiduciária, em que o imóvel fica em nome da instituição financiadora como garantia, prevista na Lei 9.514/1997, não viola os princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Com isto, mesmo depois de 26 anos de vigência da lei, o procedimento foi considerado constitucional e permite que as instituições financeiras credoras executem a garantia de seu crédito sem a necessidade de se valer do Poder Judiciário.
Quando se faz um financiamento imobiliário através da alienação fiduciária (que é regulada na lei citada acima), o bem ficará como garantia para o banco. Havendo o inadimplemento, a propriedade do imóvel irá ser transferida à instituição financeira, sem necessidade de qualquer participação do Poder Judiciário. O credor deverá formalizar a mora através de notificação feita pelo Cartório de Registro de Imóveis dando prazo para regularização de 15 dias. Determina o §3º do art. 26 que: “A intimação será feita pessoalmente ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante, que por esse ato serão cientificados de que, se a mora não for purgada no prazo legal, a propriedade será consolidada no patrimônio do credor e o imóvel será levado a leilão nos termos dos arts. 26-A, 27 e 27-A desta lei(…).” Será feito o leilão do bem, fora do Judiciário.
Esse procedimento que teve a constitucionalidade questionada e o STF entendeu que não há qualquer infração à Constituição, já que nada impede que o devedor, se quiser discutir o contrato ou qualquer outra situação, poderá acionar o Judiciário para impedir o leilão extrajudicial. O que se vê é que nossa Corte seguiu um caminho que está se mostrando como forte tendência, qual seja, deixar com que os credores satisfaçam seu crédito sem a necessidade de interferência do Poder Judiciário.
Esta decisão, ao que parece, trará grande força argumentativa para os defensores do Projeto de Lei 6204/2019 que cria execução civil de título executivo judicial e extrajudicial. A pretensão é transferir para o tabelião de protesto a competência, que hoje é exclusiva do Poder Judiciário, para conduzir a execução forçada de títulos executivos, permitindo até mesmo que a penhora e o leilão sejam feitos por este meio. Também pretende permitir que a busca e a apreensão de bens móveis sejam determinadas pelo oficial de registro de títulos e documentos, em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária, ou mesmo pelos órgãos executivos de trânsito dos estados, na hipótese de veículos automotores.
De fato, o Poder Judiciário brasileiro está abarrotado de lides e este acaba se tornando um dos motivos de sua morosidade. Mas o que se questiona é se a melhor solução seriam propostas com esta, que mais parecem uma terceirização dos poderes do Judiciário. Precisamos sim diminuir a cultura da judicialização, mas, por que não se investir, por exemplo, em métodos adequados de solução de conflito como conciliação e mediação para que as partes envolvidas consigam chegar ao final da lide pelas suas próprias decisões? Transferir aos cartórios as funções do Poder Judiciário soa mais como uma falsa desjudicialização, já que o que se tem é apenas uma mudança de competência do procedimento, com o deslocamento das atribuições judicantes. É preciso refletir muito ainda sobre o assunto.
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